No Dia da Terra, um grito para pôr fim à poluição de plástico que atulha o planeta

São produzidos 430 milhões de toneladas de plástico todos os anos. A maior parte transforma-se em lixo. O Dia da Terra chama a atenção para as negociações de um tratado que lide com esta poluição.

Foto
Limpeza de lixo de plástico na praia Vridi, uma atracção turística na cidade de Abidjan, na Costa do Marfim LEGNAN KOULA/EPA
Ouça este artigo
00:00
07:02

Para nos salvarmos das alterações climáticas queremos gastar cada vez menos petróleo e gás natural, de modo a limitar as emissões de gases que aumentam o efeito de estufa. Por isso, há quem diga que “os plásticos são o plano B da indústria dos combustíveis fósseis”, como defende Judith Enck, presidente da organização Beyond Plastics. Ou seja, este sector pode ser aquele que permitirá a expansão das empresas de combustíveis fósseis. E, talvez por isso, estejam a ser tão difíceis as negociações para um possível tratado global sobre os plásticos.

Esta semana começa em Ottawa, no Canadá, a quarta ronda de negociações para elaborar um tratado para controlar a poluição dos plásticos, que decorrerá entre 23 e 29 de Abril. O assunto é tão importante que este foi o tema global escolhido para o Dia da Terra deste ano, uma iniciativa norte-americana que se alargou a todo o mundo e que se assinala nesta segunda-feira, 22 de Abril: o planeta contra os plásticos é o lema da campanha que exige uma redução de 60% na produção de plásticos até 2040.

Crucial para controlar a poluição por plástico é que se consiga negociar um tratado, com valor vinculativo, até ao fim de 2024, objectivo definido após a aprovação de uma resolução, em 2022, na assembleia do Plano das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA). Mas há muitos receios de que não chegue a bom porto, ou de que seja muito diluído, ao ponto de se tornar ineficaz.

Forças de bloqueio

Um pequeno grupo de países produtores de combustíveis fósseis tem impedido o avanço deste tratado, denunciam organizações internacionais de defesa do ambiente. “Até agora, as negociações foram ao encontro dos interesses de países de baixa ambição, incluindo Arábia Saudita, Rússia e Irão, que têm usado questões processuais para evitar que o resto do mundo avance”, declararam, em comunicado, Graham Forbes e Sarah King, porta-vozes dos Estados Unidos e do Canadá da campanha contra a poluição por plásticos da Greenpeace.

A última reunião, em Novembro, em Nairobi, no Quénia, foi considerada um desastre. Dali devia ter saído uma segunda versão do rascunho do tratado, mas apenas se produziu uma versão ainda mais extensa do primeiro documento. “É um claro aviso de que permitir que aqueles que querem bloquear o progresso mantenham um debate interminável é uma receita para a inércia e o desastre”, comentou Carroll Muffett, presidente do Centro de Lei Internacional Ambiental, notando que em Nairobi estiveram também 143 lobistas de empresas de combustíveis fósseis — um aumento de 36% em relação à ronda de negociações anterior.

“Ainda é possível chegar a um tratado forte, mas só se os negociadores reconhecerem e confrontarem a campanha coordenada do sector da indústria de combustíveis fósseis e petroquímica para evitar que haja progressos”, salientou Muffett, em comunicado.

Definir se as decisões serão tomadas por consenso ou por uma maioria de três terços é um passo fundamental para fazer avançar o tratado, e ainda não foi dado. “O consenso é um princípio global na diplomacia global”, escrevem três analistas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Consenso dilui eficácia

“Mas, num assunto complexo como a poluição por plástico, em que algumas nações beneficiam do aumento da produção de plástico e outras sofrem de forma desproporcional, é difícil chegar a consenso”, sublinham Sulan Chen, Mirja Neumann e Murat Okumah, do PNUD.

A experiência com a negociação de outros tratados ambientais mostra que depender apenas do consenso pode atrasar o progresso “e resultar em transigências que reduzem a eficácia”, dizem. “A julgar pela última ronda de negociações, isto pode acontecer ao tratado dos plásticos”, avisam os especialistas em poluição por plásticos do PNUD.

Um tratado “aguado” significaria reduções e acções voluntárias — como no Acordo de Paris — e não obrigatórias — como no Protocolo de Montreal destinado a proteger a camada de ozono —, dizem vários analistas.

Poderia ser, também, um tratado que previa agir apenas no fim da cadeia de vida dos plásticos, ou seja, na reciclagem. Só que apenas 9% dos plásticos já produzidos são reciclados — porque é impossível, devido à sua composição, ou então porque fazer produtos novos é mais barato. Por isso, a maior parte acaba em aterros. “Prevendo-se que a produção de plásticos triplique até 2060, se não se tomarem medidas, e com a taxa de reciclagem abaixo de 10%, a ciência diz-nos que agir só no fim da cadeia não vai acabar com a poluição”, escrevem os analistas do PNUD.

Apoio popular

O mundo produz cerca de 430 milhões de toneladas de plástico todos os anos, e mais de dois terços desta quantidade são produtos de uso único, isto é, de usar uma vez e deitar fora, transformando-se instantaneamente em lixo, segundo números de um relatório do Programa das Nações Unidas para o Ambiente de 2023. Se nada se fizer, a quantidade de plástico produzida pode triplicar até 2060, alerta o PNUA.

Muito desse lixo plástico acaba nas linhas de água; só em 2019, “dois milhões de camiões do lixo de poluentes plásticos foram deitados nos oceanos do planeta”, diz o relatório da organização ambientalista internacional WWF.

Foto
Os custos com a poluição por plásticos nas nações mais pobres podem ser oito vezes mais altos do que nos países mais ricos RAFIQUR RAHMAN/REUTERS

Sondagens internacionais recentes realizadas pela WWF e pela Greenpeace mostram que há um grande apoio para a redução do uso de plástico. Na da Greenpeace, 82% dos inquiridos em 19 países é a favor de cortar a produção de plástico. Na da WWF, feita em 32 países, concordava-se em que o futuro tratado deveria proibir os plásticos descartáveis, como copos de bebidas, por exemplo, que representam 70% da poluição de plástico que há nos oceanos.

Os países de médios e baixos rendimentos, que não têm meios para regular a produção de plásticos nem para reciclar — e muitas vezes importam o lixo, tornando-se o aterro dos resíduos dos países mais ricos — são quem mais sofre com esta poluição: os custos para estas nações podem ser oito vezes maiores do que nos países de altos rendimentos, estima um relatório da WWF.

O barato sai caro

Os plásticos são considerados produtos baratos, mas têm custos sociais elevados. Para começar, 99% são produzidos usando petróleo, o que provoca emissões de gases com efeito de estufa. “As relações entre as alterações climáticas e a poluição por plástico são dois lados da mesma moeda”, salientam Sulan Chen, Mirja Neumann e Murat Okumah, do PNUD.

O que parece barato tem custos ocultos: os estragos causados pela poluição de plástico e as necessidades de limpeza podem ascender a 3700 biliões de dólares (cerca de 3470 mil milhões de euros) — o que é mais do que o Produto Interno Bruto (PIB) da Índia, diz um relatório da WWF.

Os produtos químicos usados nos plásticos e o longo tempo que persistem no ambiente ou se acumulam nos tecidos vivos de muitos organismos, mesmo nas profundezas dos oceanos, e nas nossas próprias células — foram encontrados microplásticos até no leite materno, ou na placenta humana — tornam os plásticos um risco muito importante para a saúde humana e dos ecossistemas.

Por exemplo, o bisfenol A (BPA), usado em garrafas, latas de conserva e brinquedos, é considerado um perturbador da actividade das nossas hormonas. Um milhão de pessoas morre todos os anos nos países mais pobres por causa de problemas de saúde relacionados com a poluição por plástico, diz a WWF.