Thomas Stiller é um adulto de 30 e poucos anos de Erie, no estado norte-americano da Pensilvânia. É casado, tem um mestrado, e tem também dois empregos para tentar chegar ao final do mês. A dada altura, chegou a ter um terceiro emprego num restaurante de fast food. Thomas e a mulher têm adiado a compra da sua primeira casa, momento-chave do sonho americano, tal como têm adiado ter filhos. É-lhes financeiramente inalcançável neste momento.

À quarta década de vida, Thomas continua longe daquilo que a geração dos seus pais, membros da classe média, tinha alcançado na terceira. Diz-se frustrado com a concentração da riqueza – e dos meios para obtê-la – num número cada vez menor de pessoas. Apoiante do Partido Democrata, admite que não sabe se vai votar nas eleições presidenciais de Novembro – e, se votar, ainda não sabe em quem será.

Este retrato era feito por Jeanna Smialek, jornalista do New York Times, no The Daily, o podcast diário daquele jornal, num retrato sobre as angústias financeiras dos chamados peak millennials. Nascidos em 1990 e 1991, são neste momento a maior microgeração dos Estados Unidos: 9,5 milhões de pessoas que vivem agora etapas decisivas das suas vidas adultas numa conjuntura particularmente adversa, mesmo que no papel a economia dos EUA até atravesse um bom momento (a crescer acima das previsões e com o desemprego em mínimos históricos).

Os peak millennials enfrentam um problema demográfico. O pico de natalidade do início da década de 1990, a que acresceu a imigração, gerou um desequilíbrio clássico entre a oferta e a procura em três momentos importantes das suas vidas: no ingresso no ensino superior, na entrada no mercado de trabalho, e agora na habitual transição de inquilinos para proprietários na habitação. Não houve vagas, empregos e casas para todos.

À realidade dos números juntou-se o azar do timing. A entrada desta microgeração na universidade, por volta de 2009, deu-se em plena Grande Recessão, com muitos alunos mais velhos a prolongarem os estudos por falta de perspectivas de emprego a curto prazo, e muitos trabalhadores e desempregados a voltarem às aulas para trocar ou relançar a carreira. Muitos não conseguiram sequer entrar na universidade, outros fizeram-no mas terminaram os estudos universitários com uma dívida muito maior do que a das gerações anteriores, e ainda estão a pagá-la.

Recebeu-os, nos anos seguintes, uma economia com menos empregos disponíveis e salários estagnados. A pandemia, o segundo grande choque vivido por esta microgeração que então se aproximava dos 30, destruiu muitos postos de trabalho que requeriam menos qualificações (ainda que fossem ocupados por muitos jovens sobrequalificados) e atrasou a progressão de quem continuou a trabalhar.

A recuperação pós-covid apanhou esta microgeração na curva. Depois de uma década perdida, em que não conseguiu construir e acumular riqueza suficiente, ela enfrenta juros elevados e um mercado de habitação em espiral ascendente, seja na compra ou no arrendamento. Desde a grande crise de 2008 que os Estados Unidos deixaram de construir casas em número suficiente para acompanhar a procura, e o efeito tem sido cumulativo. Há uma década, a idade média de quem comprava casa pela primeira vez nos EUA era de 31 anos – está agora nos 35.

Como uma pescadinha de rabo na boca, o problema da habitação, aliado ao da estagnação das carreiras e do aumento do custo de vida, cria um novo problema demográfico: adia-se a decisão de ter filhos, opta-se por ter menos ou não ter nenhum; até porque os custos associados são estratosféricos nos EUA. Como noutros países ocidentais, é cada vez mais a imigração que vai salvando a contabilidade demográfica.

Cria também um problema político, como ilustrava o exemplo de Thomas Stiller. De acordo com uma sondagem recente do site Axios, 58% dos eleitores norte-americanos com idades entre os 18 e os 34 anos ainda não decidiu se vai votar nas presidenciais de Novembro. Outras sondagens indicam uma erosão do apoio do eleitorado jovem ao Partido Democrata, que contava com uma votação historicamente superior à do Partido Republicano nesta faixa etária. A insatisfação económica não será o único motivo para este comportamento, mas estará certamente na linha da frente.

É difícil olhar para estes retratos e tendências e não pensar em paralelismos com a situação portuguesa, não só entre os nossos peak millennials mas também entre os restantes trintões e os gen-z, ainda nos vintes. Talvez com balizas temporais diferentes, e certamente com outras particularidades. Ainda se entra com relativa facilidade numa universidade em Portugal e não se sai com dívidas de dezenas ou centenas de milhares de euros. Por outro lado, a estagnação salarial e o custo da habitação têm uma cronologia mais extensa em Portugal do que nos EUA.

Mas é difícil não identificar também em Portugal a ideia de uma geração perdida, de expectativas defraudadas, e dos seus consequentes efeitos económicos, demográficos e eleitorais. Os resultados das legislativas portuguesas de 10 de Março e os números de várias sondagens e inquéritos anteriores mostram um eleitorado jovem à procura de novas soluções e com cada vez menos a perder. Os EUA têm sido nesse sentido um canário na mina de carvão, a dar-nos pistas sobre um futuro próximo. Convém estar atento.