Tenho de admitir que as minhas expectativas eram praticamente nulas. Mas ainda não fui vencida. Depois de ver alguns dos debates dos líderes dos partidos que concorrem às eleições de 10 de Março, sentei-me no sofá na segunda-feira à noite. Eu e, dizem as estatísticas, 2,8 milhões de espectadores.

Quando o filme acabou, detestei ter razão, mas tal como previa não ouvi nada sobre propostas para enfrentar a maior crise dos nossos tempos: sim, somos chatos ou ecochatos (se quiserem), mas a crise climática é importante e afecta as nossas vidas. Tanto ou mais como o dinheiro que temos no bolso, sobretudo se sairmos da privilegiada cápsula dos países desenvolvidos do Ocidente. Perguntem aos agricultores, só para começar por um lado.

Pior do que um debate com mau ambiente, tenso, com candidatos a atropelarem-se nas promessas e acusações sem se conseguirem fazer ouvir, pior do que todo o ruído de uma campanha eleitoral é o silêncio. Pior do que um debate com um clima com nervos e alguma substância, só um debate sem clima. Concordo com Oscar Wilde, pior do que falarem mal é não falarem de todo.

Julgo que ouvi en passant uma referência à necessária transição energética, mas nada além disso. Podia rever o debate para transmitir com rigor e exactidão o que foi dito, por quem e quando, mas, por favor, não me peçam isso. Sei que não se falou do clima. Sei que não se falou na emergência climática.

Sei que não se falou de como vamos reduzir as emissões, proteger os solos, tratar dos resíduos, responder à exasperante escassez de água, proteger áreas marinhas e em terra firme, conciliar a tecnologia e o progresso com um planeta com futuro protegendo a natureza.

Falou-se de dinheiro. De impostos, de salários dos médicos, dos salários dos professores, dos salários dos polícias, da habitação, do SNS, das pensões. Assuntos importantes, sem dúvida. Mas será que entre três experientes jornalistas (mea culpa faço, em nome do nosso papel) nenhum achou que a crise climática é um tema importante? Que merecia uma pergunta? Nem com polémicas à mistura que, alimentadas por projectos em nome do ambiente, desencadearam estas eleições antecipadas?

Falaram, por exemplo, dos ordenados dos médicos, mas sei que não se falou de outras sérias e reais ameaças à nossa saúde, desde a poluição atmosférica aos químicos que ingerimos com a comida, passando pela qualidade da água e que todos os anos matam pessoas em Portugal. Sim, matam. Sem exagero.

Falaram dos ordenados dos polícias que oportunamente se manifestaram à porta do Capitólio mas sei que não se falou do movimento de homens e mulheres em cima de tractores que marcha por toda a Europa, Portugal incluído, carregando uma série de problemas complexos na bagagem. Questões que temos de enfrentar para responder às suas actuais necessidades sem andar para trás no progresso das novas regras ambientais que tomam conta do nosso futuro. Nem à força de tractores se falou de clima.

Com o Sul de Portugal em seca e debaixo de um pacote de medidas restritivas, não se falou da gestão da água, da transição energética, mobilidade e descarbonização. Da revisão da lei da água ou da lei dos solos que está na gaveta há mais de oito anos ou da lei de bases do clima, que permanece frouxa no seu cumprimento, nem da revisão do Plano Nacional de Energia e Clima do roteiro para a Neutralidade Carbónica. Não se falou do futuro da Agência Portuguesa do Ambiente que está há meses sem dono.

Nem sequer do tempo imprevisto que faz lá fora e que não é clima, apenas meteorologia, mas que mostra os sintomas de um planeta doente. Só alguém que passou o mês de Fevereiro (ou de Janeiro ou mesmo o ano de 2023) num buraco pode ignorar a assustadora instabilidade que todos - novos ou velhos, ricos ou pobres, no Norte ou no Sul - sentimos na pele. Tivemos sol e chuva, e ao contrário do provérbio isso não é bom, porque nos tempos que correm a chuva e o sol não caem onde dá jeito. Vivemos várias estações no mesmo mês de Fevereiro, com a Primavera a resgatar as t-shirts da gaveta, seguida de dias de Inverno com neve a cobrir a nossa serra da Estrela e está tudo bem?

Nas últimas semanas, publicámos no Azul alguns artigos sobre as vozes de associações e organizações que pediam atenção para vários temas. Para a gestão da água, para a criação de um ministério do mar, para o desperdício dos alimentos, publicámos até uma breve resenha das propostas dos vários partidos que se agarram à óbvia e inevitável pretensão da redução de emissões como ponto comum, divergindo depois em propostas mais ou menos distintivas. Não resisto a dar destaque à ironia de termos nesse texto uma proposta (ao lado da isenção do IVA para fraldas reutilizáveis) sobre a mitigação dos riscos e catástrofes naturais vinda precisamente do Chega, que tantos riscos e catástrofes pode representar em tempo de 50 anos de democracia.

Nem à força de tractores ou tempestades a emergência climática entra na campanha. Todos os outros assuntos que andam na boca dos candidatos serão importantes, não tenho a leviandade de achar que podemos prescindir deles. A paz, o pão, a saúde, a educação e a liberdade a sério são fundamentais. Mas a emergência climática também já é. Ainda que não entre na canção antiga.