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Um faz-de-conta para os oprimidos contarem as "histórias de hoje"
Edelweiss, com encenação de Nuno Pino Custódio, estreia-se esta quinta-feira no Teatro do Bolhão, no Porto. O espectáculo pode ser visto até ao dia 2 de Março.
Edelweiss, que esta quinta-feira sobe ao palco no Teatro do Bolhão, no Porto, foi criada a partir de uma outra peça, A Flor Preferida de Adolf Hitler, desenvolvida pela ACE Escola de Artes em 2006. Segundo o encenador Nuno Pino Custódio, ambos os espectáculos são adaptações livres de Terror e Miséria do III Reich, escrito por Bertolt Brecht no seu exílio dinamarquês entre 1935 e 1938, que retrata a decadência da sociedade às mãos do nazismo. Se em 2006 o encenador optou por construir um espectáculo que destacava a alienação e a "lua-de-mel" vivida pelos alemães antes da II Guerra Mundial, em Edelweiss mostra uma sociedade toldada pela força e ascensão do fascismo.
Para o encenador, os temas trazidos por Edelweiss revelam-se “pertinentes" no actual contexto histórico, Portugal incluído: “Esta peça é feita às portas de umas eleições. Alguns direitos que tínhamos como adquiridos estão a ser cada vez mais discutidos, temos um partido a dizer que vai fazer a compressão destes direitos. E temos pessoas alienadas, alheadas, neutras - que são estas que vão votar”, explica ao PÚBLICO. Com Edelweiss, acredita o encenador, o espectador pode olhar a Alemanha nazi e ser levado a ponderar sobre como o fascismo “entra de fininho” na sociedade.
O espectáculo ganha vida às mãos de uma personagem colectiva, a de 11 berlinenses que têm coragem para exteriorizar o orgulho, mas também o medo e a revolta sob jugo nazi. É esta figura-protagonista, subdividida, que vai espelhando as cenas do quotidiano. “Estes berlinenses estão juntos na condição de contarem as histórias e funcionam como uma espécie de humanidade que se salva”, nota Nuno Pino Custódio.
Depois de entrar em palco, este elenco de personagens não mais o abandona até ao fim do espectáculo. “Não há entradas nem saídas de cena”, esclarece o encenador. Isto não quer dizer que retratem os acontecimentos todos ao mesmo tempo. Enquanto uns dão voz ora aos hinos, à supremacia ou aos actos de patriotismo, outros mostram as peripécias da censura, os falsos direitos, o clima de tensão e as verdades disfarçadas, o jogo de um faz-de-conta e de vozes silenciadas, numa dinâmica que é reforçada pelos efeitos de luz criados por Mário Bessa.
O cenário é estático, tem 60 bancos e funciona como um sobre-palco, descreve o encenador. “Há um palco [onde actuam actrizes e actores] e um outro”, onde as próprias personagens representam para contarem as suas vivências. Assim, o espectador está a assistir a espectáculos dentro do espectáculo Edelweiss, porque só através destes 'faz-de-conta' é que as personagens conseguem aceder à sua suposta liberdade de expressão sem repercussões. Estes “cidadãos conscientes recorrem ao teatro para representarem as suas histórias de hoje”, acrescenta o encenador.
Apesar de o espectador assistir a eventos aleatórios e contactar recorrentemente com diferentes personagens de cena para cena, a peça torna palpável a repressão, a disciplina obrigatória e até mesmo a alegria e o orgulho. E se os diálogos dos cidadãos mostram o amor pela pátria, são os seus movimentos corporais, as posturas e os tons de voz que revelam os protestos silenciosos, a admiração mentirosa e a revolta.
Tal como refere Nuno Pino Custódio, os berlinenses sobem ao palco com roupa da época, bradam músicas nazis, fazem a saudação e expressam-se em alemão, mas não há nada físico que os identifique. Esses rótulos cabem ao espectador. “São 11 berlinenses, mas podiam ser 11 refugiados, 11 pessoas num bunker ou numa estação de metro a representarem a sua realidade interna e actual”, acrescenta.
Edelweiss é interpretada por Anabela Sousa, Katerina Borzyak, João Paulo Costa, João Cravo Cardoso, João Tarrafa, Maria do Céu Ribeiro, Pedro Couto, Pedro Estima, Rebeca Cunha, Sílvia Santos e por Teresa Queirós.
A peça pode ser vista até ao dia 2 de Março, no Teatro do Bolhão, no Porto.
Texto editado por Maria Paula Barreiros