Era preciso sorte, e tivemo-la. Tinha nevado a potes na semana anterior, há-de chover torrencialmente daqui a uns dias, mas nesta segunda-feira o céu estava azul neste cantinho do Nordeste dos Estados Unidos.

Era aqui que os meteorologistas diziam que seria o melhor local do país para observar o eclipse solar total de 8 de Abril de 2024, o último em zonas habitadas da América do Norte até daqui a 20 anos, a 23 de Agosto de 2044 (a boa notícia é que há um a passar por um cantinho do nordeste transmontano a 12 de Agosto de 2026).

Tivemos sorte, vimos o eclipse. E é mesmo preciso vê-lo ao vivo para perceber porque é que este fenómeno exerce tamanho fascínio, ao ponto de haver gente a viajar milhares de quilómetros para assistir a um. Ou dizendo-o ao contrário: só quem nunca o viu é que não compreende esse fascínio.

Numa praia à beira do Lago Champlain, no Vermont, rodeados de árvores e com vista desimpedida para a água, para os montes Adirondack lá do outro lado e para o céu acima, vimos a Lua ir mordiscando o Sol devagarinho ao longo de uma hora. Vimos a luz diminuir gradualmente e a temperatura também, o suficiente para vestir mais uma camisola ou pôr o casaco.

Não estamos sozinhos. Estão centenas de pessoas aqui - miúdos da universidade, turistas de toda a Costa Leste, famílias com os seus cães, freiras até. Há quem tenha trazido uma mantinha de piquenique para se sentar no areal, como também há quem tenha levado um sofá de casa.

Há quem apareça de bicicleta ou a pé, e há quem tinha tido a extraordinária lata de estacionar o carro dentro do cemitério e ali montado arraial entre as sepulturas. Há outros milhares noutros parques e praias da cidade de Burlington, ao lado. E há pelo menos 30 milhões de pessoas a olhar para o céu numa faixa de terra que vai do México ao Canadá.

O céu vai mudando de cor e, pelas 15h26 locais, num ápice, acontece então aquela espécie belíssima e bizarra de pôr-do-sol em que a escuridão surge de Oeste, não de Leste, e nos tapa como a tampa de uma panela. É escuro aqui, é noite aqui, mas olhando o horizonte percebe-se que ainda é de dia lá longe, centenas de quilómetros em nosso redor.

O que era o Sol é agora um anel luminoso num céu de breu em que as aves esvoaçam confusas. Um anel com pedras preciosas avermelhadas, como um anel de noivado. São ejecções de massa solar, tão altas, a milhões de quilómetros daqui, que ultrapassam o perfil da Lua.

Tudo acaba tão depressa quanto começa. Os três minutos de totalidade passam num instante. Fica a memória de uma beleza difícil de descrever, a memória dos gritos contínuos de júbilo e estupefacção de quem estava naquela praia, dos "oh my god" e dos "holy fuck", dos aplausos no final.

Fica a memória do dia mais bonito que vivi nos Estados Unidos, terra de geografia prodigiosa e de polarizadoras idiossincrasias humanas.

Parto agora para Portugal, de férias, e interrompo esta newsletter por três semanas. Regresso aos EUA em Maio para uma longa empreitada que incluirá a cobertura das eleições presidenciais de Novembro. Talvez com menos oportunidades para escrever sobre coisas bonitas. Daí ter aproveitado hoje.

Até breve.