Indústria dos pellets leva ao consumo excessivo de madeira em Portugal
Devido ao boicote à madeira vinda da Rússia, a indústria dos pellets viu-se obrigada a recorrer a madeira nacional mas os recursos escasseiam.
No último ano, a indústria dos pellets em Portugal consumiu mais de 1,5 milhões de toneladas de madeira e a situação tende a agravar-se e põe em causa a floresta portuguesa, verificando-se, por todo o país, abates de hectares e hectares.
Consumir mais madeira do que aquela que se produz já é um assunto antigo em Portugal. No entanto, devido ao boicote à madeira vinda da Rússia, a indústria dos pellets viu-se obrigada a recorrer a madeira nacional, “sem que ela exista”.
Quem o diz é Pedro Serra Ramos, presidente da Associação Nacional de Empresas Florestais, Agrícolas e do Ambiente (ANEFA), que alerta para o “problema de insustentabilidade” da floresta portuguesa, perante a falta de madeira em Portugal e a aprovação de projectos de construção de novas fábricas de produção de pellets.
“Ainda não temos dados para avançar sobre o número de abates que se está a verificar este ano. No entanto, todos sabemos que estamos a consumir mais matéria-prima do que aquela que é arborizada e a indústria dos pellets, assim como a sua exportação, não veio melhorar a situação”, adiantou o responsável.
Apesar da indústria de produção de pellets alegar que apenas os resíduos florestais e industriais são usados como matéria-prima, existem evidências de que os maiores produtores de pellets estão a utilizar troncos de árvores e madeira em geral, resultando numa “pressão acrescida sobre a floresta”.
“Teoricamente os pellets deviam ser feitos de partes das árvores que não são utilizadas pelas outras indústrias. No entanto, o poder calorífico da madeira e a facilidade de manuseamento, que leva à redução de custos, levou a que muitas indústrias estejam a recorrer a madeira em vez de recorrerem a resíduos das florestas ou das indústrias de serração”, explicou.
A indústria dos pellets consome, essencialmente, madeira de pinheiro-bravo no seu fabrico. Com a exportação e consequente corte de pinheiros-bravo a crescer anualmente, Pedro Serra Ramos alertou que “já há fábricas a produzir pellets a partir de eucaliptos”. “Essa situação até então era impensável, porque envolve até mudanças no ponto de vista tecnológico”.
Várias localidades do centro do país, fustigadas com os incêndios de 2017, viram erguer indústrias de produção de pellets. No entanto, ao contrário do que seria expectável, “poucas são as que utilizam os resíduos da madeira queimada” que têm à porta.
“Toda aquela madeira queimada não é utilizada pela indústria normal. Mas estamos em 2022 e aquelas árvores ardidas ainda estão de pé, mesmo havendo fábricas de pellets mesmo ao lado que lhes podiam dar um destino. Mas essas fábricas optam por deixar entrar madeira boa de pinho e de eucalipto para o fabrico de pellets”, disse.
Numa pergunta ao Governo apresentada na Assembleia da República, o grupo parlamentar do Bloco de Esquerda adiantou que “em 2021, a capacidade de produção de pellets em Portugal aumentou 50% e a abertura de novas fábricas continua a ser subsidiada com fundos europeus, sem divulgação pública da escala da sua produção ou da origem da biomassa a utilizar”.
O partido refere ainda que, “de acordo com o Centro Pinus, associação de agentes económicos da fileira do pinheiro-bravo, a indústria consome 57% acima do que a floresta portuguesa pode fornecer de forma sustentável”.
O Bloco refere ainda que “segundo o estudo publicado pela Zero, a produção de pellets consome 20% de toda a madeira de pinho, mas representa apenas 3% do valor de exportação de produtos à base desta madeira”.