Como evoluirá a pandemia? Uma síntese em dez pontos
Eis a minha tentativa de síntese em dez pontos sobre como evoluirá a pandemia. O preâmbulo posiciona as minhas motivações e o meu ponto de partida.
Síntese. É o que tem faltado a alguns especialistas que informam a opinião pública. Síntese significa juntar partes de um todo complexo. Saber que há partes que ficam de fora porque não se conhecem todas as respostas. Saber que o equilíbrio é instável, dinâmico e momentâneo. Saber que o ponto central não é o vírus, mas moldar comportamentos e melhorar o funcionamento das instituições. Exige ainda uma cultura científica interdisciplinar, porque o todo complexo é mesmo complexo.
Exige também intervir no espaço público com o genuíno propósito de informar, sem egos, procura de adivinhação ou aspirações políticas. No fundo, não interessa quem tem razão, mas ajudar quem decide e quem vive com angústia.
Eis a minha tentativa de síntese em dez pontos sobre como evoluirá a pandemia. O preâmbulo posiciona as minhas motivações e o meu ponto de partida.
1. O desconfinamento deverá ser a vários ritmos. Isso não quer dizer necessariamente reconfinar. Antes dessa opção temos como possibilidade suspender o ritmo de desconfinamento e implementar medidas de rastreio e testagem.
2. Não há linhas vermelhas abstratas. A situação epidemiológica dos concelhos deve ser compreendida caso a caso. A natureza dos surtos (os links epidemiológicos são conhecidos e estão delimitados, ou não?), as características sociodemográficas da população e do território impõem medidas adequadas.
3. Não devemos esperar um mês para adotar medidas perante o aumento de casos. Tal como está definido, a suspensão do desconfinamento exige que o indicador de incidência a 14 dias piore no espaço de 28 dias (o que corresponde a duas avaliações). Chegados a 120 casos/100.000 habitantes e com Rt igual a 1, devemos olhar para a incidência a sete dias. Além disso, suspender desde logo a circulação inter-concelhia. As restantes medidas devem ser avaliadas como indico nos pontos 1 e 2.
4. Proporcionalidade das medidas. Não é preciso enumerar os danos colaterais do controlo da pandemia. Mais do que medidas traçadas a régua e esquadro, deve haver proporcionalidade, porque o peso que representam na vida das pessoas leva ao desespero e incumprimento.
5. As pessoas estão a ser pessoas. O comportamento que temos visto nas esplanadas e por aí fora revela um ano de anormalidade. Quanto mais se confinar, mais ávidas as pessoas estarão pelo convívio. Por isso, voltar atrás não resolve o problema, apenas o aguça. Não há forma de convencer mais as pessoas. Quem não está convencido, não se vai convencer. O objetivo é continuar a chegar a uma maioria de pessoas. E para isso não serve o moralismo nem a imposição absurda de regras. Serve a informação transparente e a confiança nos decisores.
6. É de esperar que a incidência aumente com o desconfinamento e, em certo sentido, isso é normal. Não pode haver medo. Não procuramos uma política de “casos 0”. Procuramos conseguir manter a gestão das cadeias de transmissão (adotando as medidas proporcionais e adequadas).
7. Dado que não há forma de policiar cada cidadão e que dificilmente se convence quem já não quer ser convencido, resta a política de testagem, rastreio e isolamento enquanto a vacinação avança.
8. Após a população vulnerável estar vacinada, devemos discutir a necessidade de repensar as políticas de gestão do vírus. Se confinar continua a fazer sentido se as mortes e internamentos irão decair (está a acontecer em Israel). Aliás, a acontecer uma nova vaga nas próximas semanas, não é certo o quanto os internamentos e óbitos aumentem.
9. No meio da procura de normalidade, até em Israel a máscara continua a ser usada nos convívios e tem-se preocupação com a gestão das fronteiras. Significa que as vacinas estão a ajudar a retomar alguma normalidade, mas persistem dúvidas.
10. A procura de normalidade deve fazer-se em dois momentos: primeiro, gerir os contágios dentro de fronteiras e só depois abrir as fronteiras. Isto é ainda mais determinante em Portugal, que liga três continentes: África, Europa e América.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico