Há mais gravatas do que uniformes à volta de Kim. E isso importa
O líder norte-coreano revelou imagens do seu círculo mais próximo, após o primeiro congresso partidário em trinta anos. O partido, não o exército, é agora a instância de poder por excelência.
A Coreia do Norte revelou um conjunto de fotografias dos principais líderes militares e partidários para assinalar o final do sétimo congresso do Partido dos Trabalhadores. As faces do regime permitem tirar algumas conclusões acerca de um dos países mais fechados do planeta.
A presença mais surpreendente é a de Ri Yong-gil, um general cuja execução tinha sido anunciada em Fevereiro pelos serviços secretos sul-coreanos. Geralmente, é através de informações das secretas da Coreia do Sul que muitas das purgas no regime comunista são reveladas — embora por várias ocasiões as acusações feitas por Seul se tenham revelado exageradas.
Este foi um desses casos. Ri foi dado como mais uma vítima de uma purga promovida pelo líder norte-coreano, Kim Jong-un, por corrupção e conspiração. Foi nomeado um novo chefe do Estado-Maior, mas Pyongyang nunca confirmou o afastamento de Ri.
O general de três estrelas apareceu agora como membro suplente do Politburo e membro do Comité Central militar. “Temos de temperar estes rumores sobre dirigentes norte-coreanos mortos com uma pitada de sal”, observa, em declarações à BBC, o analista Michael Madden.
As imagens divulgadas surpreenderam por não apresentarem sinais de manipulação — a fotografia de Kim é, segundo a BBC, “no mínimo, pouco elogiosa”. O professor da Universidade Johns Hopkins (EUA) diz, porém, que esta não é a primeira vez que o regime mostra fotografias dos seus líderes sem retoques. A maioria dos observadores considera que Kim quis mostrar uma faceta natural e transparente do seu círculo mais próximo.
As 27 fotografias difundidas reflectem a nova política do líder da terceira geração da “dinastia” Kim, que o congresso serviu para cristalizar. A maioria dos dirigentes aparece de fato e gravata, enquanto apenas sete se apresentam de uniforme militar, o que representa uma prevalência do partido face ao Exército.
O novo paradigma constitui uma mudança em relação à estratégia do pai do actual líder, Kim Jong-il. O líder norte-coreano defende a política do byungjin — que proclama a defesa nuclear e o desenvolvimento económico como os pilares da governação — face ao songun do seu pai, que dava primazia ao Exército.
Com a nova filosofia, Kim “concentrou muito poder político nas mãos de seis ou sete dirigentes”, nota Michael Madden. Numa análise no site North Korea Leadership Watch, verifica-se um “sinal superficial de uma redução da influência do sector militar na cultura política” da Coreia do Norte. Neste sentido, a opção de Kim assemelha-se mais à do avô e fundador da República Democrática, Kim Il-sung.
A irmã preferida
Antes do congresso, receava-se que a Coreia do Norte realizasse um novo ensaio nuclear. Porém, imagens de satélite recentes, reveladas por especialistas norte-americanos, revelam uma reduzida actividade em Pungyee-ri, o local onde costumam ser realizados os testes. No discurso de abertura do congresso, Kim sublinhou que não pretende utilizar o seu arsenal nuclear, “a menos que a sua soberania seja posta em causa”.
Especula-se que o actual representante diplomático nas conversações sobre a desnuclearização da península tenha sido nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros. Ri Yong-ho é vice-ministro e passou a ocupar um lugar no comité político do Partido dos Trabalhadores. O jornal sul-coreano Chosun Ilbo dava a nomeação como certa, mas o NKLW escrevia que é ainda incerto se o actual chefe da diplomacia, Ri Su-yong, — que foi promovido a vice do partido — irá continuar.
Outra das nomeações mais aguardadas era a da irmã mais nova do líder, Kim Jo-yong. Os dois têm uma relação muito próxima, tendo sido ambos educados no mesmo colégio suíço. É comum ver os dois irmãos, com apenas quatro anos de diferença, juntos em várias visitas pelo país. A agência estatal revelou que Kim Jo-yong foi eleita para o comité central, o órgão mais poderoso do partido, que passa a acumular com o cargo de vice-directora do departamento de propaganda.
Não há, porém, qualquer fotografia de mulheres no conjunto divulgado por Pyongyang. O regime norte-coreano não tem propriamente um sistema de quotas, mas Michael Madden diz que 10% dos delegados ao congresso eram do sexo feminino, o que representa um progresso em relação ao anterior, em 1980.
“Realisticamente, as mulheres, como directoras de departamento ou adjuntas, têm mais poder do que alguns dos vice-presidentes, porque lidam com a gestão quotidiana dos departamentos. São os olhos e os ouvidos de Kim no sistema político”, considera o especialista.