Primeiro, os nossos

Porque não foi e não é estendida a mesma solidariedade a todas as vítimas de guerra, às que morrem no Mediterrâneo, às que são impedidas de encontrar refúgio em solo europeu, às que sofreram as guerras pelo petróleo, pelos interesses económicos das elites, mas sempre contra as suas vidas e a sua segurança.

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LUSA/JOSÉ COELHO


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“O sítio mais perigoso para as pessoas negras viverem é na imaginação dos brancos”, disse D. L. Hughley. A guerra no mundo ocidental e a provocação da violência têm provocado ondas de solidariedade internacional, na condenação da ameaça global e no declarado apoio às vítimas que tentam escapar o mais rapidamente possível. E isso é importante, a preservação da paz contra as ameaças antidemocráticas e imperialistas.

Perguntamo-nos, então, porque não foi e não é estendida a mesma solidariedade a todas as vítimas de guerra, às que morrem no Mediterrâneo, as que são impedidas de encontrar refúgio em solo europeu, as que sofreram as guerras pelo petróleo, pelos interesses económicos das elites, mas sempre contra as suas vidas e a sua segurança.

Vários jornalistas têm dito, nas suas próprias palavras, o motivo pelo qual estes refugiados são recebidos de braços tão abertos. Ulysse Gosset, jornalista da BFM TV (França), diz: “Imagine ser, em pleno século XXI, uma cidade europeia a ser atacada por mísseis, como se aqui fosse o Iraque ou o Afeganistão.“ Mais explícito, David Sakvarelidze, ex-procurador-geral-adjunto da Ucrânia, destacou: “É muito tocante para mim porque estou vendo europeus loiros e de olhos azuis a ser assassinados”. Peter Dobbie, apresentador da Al Jazeera , diz que os refugiados ucranianos merecem ser recebidos pela comunidade europeia porque eles “são cidadãos que pertencem a uma classe média próspera, não são refugiados vindos do Oriente Médio ou do norte da África, parecem-se conosco, são da família europeia e são nossos vizinhos”

Têm-se encontrado tonalidades deste discurso pelos meios de comunicação ocidental, distinguindo estes refugiados de outros vindos do Médio Oriente, de países africanos, por exemplo.

No entanto, qualquer pessoa num contexto de guerra que não se pareça com essa idealização ocidental percebe que a mesma solidariedade não se aplica. Vários relatos têm vindo à tona sobre a discriminação por parte das Forças Armadas do país e da Polónia, para onde grande parte dos refugiados da guerra contra a Rússia está a fugir. Dizem que os cidadãos ucranianos têm prioridade. Dizem que “foram corridos com bastões” para que os refugiados “brancos ucranianos” passassem. O próprio embaixador português na Polónia confirmou junto das autoridades polacas que os jovens são cidadãos portugueses e pediu que a passagem da fronteira lhes seja permitida, mas os guardas nem olham para o documento em questão.

É profundamente lamentável que, quando deparadas com esta situação, percebamos que temos somente a sorte de não nos encontrarmos naquele contexto. Porque podíamos ser nós a encontrar o terror ao fugir da guerra, uma condenação à morte durante a nossa vida e diante dos nossos olhos.

Percebemos neste choque em situações tão drásticas o problema de não reconhecer o racismo como um sistema de opressão (ao invés da classe como sistema exclusivo de injustiça) e da recusa em discutir a história do colonialismo, da violência, que é o legado carregado por todos os afro-descendentes. Para onde quer que vão.

A recusa em abrir este debate de forma séria, comprometida, impede que haja qualquer política, qualquer programa de redistribuição social e económica que tenha como critério a desigualdade étnico-racial. A recusa em abrir este debate cimenta a Europa-fortaleza que glorifica os seus ideais de igualdade enquanto, em simultâneo, prescreve sentenças de morte para as pessoas das comunidades que pilhou e explorou historicamente.

Não podemos permitir estes atentados contra as nossas vidas. Quando disseram “primeiro, os nossos”, seremos os e as primeiras a dizer que não pode haver justiça enquanto não houver igualdade.