Melhores resultados na diabetes? Só envolvendo toda a sociedade

Não há forma de melhorar os números da diabetes em Portugal se não se envolver toda a sociedade. Para tal, um plano de reconstrução e resiliência – um PRR – estará em debate público até 30 de Janeiro.

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Apresentar um PRR da diabetes ao Governo que sair das eleições, marcadas para 30 de Janeiro de 2022, é um dos objectivos da iniciativa levada a cabo pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), com o apoio da Novo Nordisk, com vista a contribuir para melhorar o panorama da diabetes em Portugal. O plano já foi criado, com a colaboração de diversos especialistas na área, mas falta agora receber os contributos de todos os cidadãos, em especial das pessoas com diabetes. Nesse sentido, e até à data da ida às urnas, o referido PRR estará em discussão pública, como forma de envolver toda a sociedade, porque só assim será possível melhorar os números da diabetes no nosso país. Esta foi precisamente uma das conclusões do debate levado a cabo no dia 26 de Novembro, no auditório do Público, e que teve como mote “Um PRR para a diabetes: a oportunidade é agora”, no qual estiveram representadas as diversas perspectivas envolvidas no diagnóstico e tratamento da diabetes, desde os doentes à tutela, passando pelos médicos e académicos.

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Apresentar um PRR da diabetes ao Governo que sair das eleições, marcadas para 30 de Janeiro de 2022, é um dos objectivos da iniciativa levada a cabo pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), com o apoio da Novo Nordisk, com vista a contribuir para melhorar o panorama da diabetes em Portugal. O plano já foi criado, com a colaboração de diversos especialistas na área, mas falta agora receber os contributos de todos os cidadãos, em especial das pessoas com diabetes. Nesse sentido, e até à data da ida às urnas, o referido PRR estará em discussão pública, como forma de envolver toda a sociedade, porque só assim será possível melhorar os números da diabetes no nosso país. Esta foi precisamente uma das conclusões do debate levado a cabo no dia 26 de Novembro, no auditório do Público, e que teve como mote “Um PRR para a diabetes: a oportunidade é agora”, no qual estiveram representadas as diversas perspectivas envolvidas no diagnóstico e tratamento da diabetes, desde os doentes à tutela, passando pelos médicos e académicos.

Mas para que qualquer plano possa ser delineado é necessário conhecer os números da diabetes em Portugal. Foi precisamente com esse intuito que, no âmbito do projecto, foram realizados dois estudos, cujos resultados foram apresentados antes do debate. E a verdade é que o real retrato da patologia no nosso país é tudo menos animador, sendo certo que a pandemia só veio piorar uma realidade já de si preocupante. Desde logo, porque se estima que existam cerca de 2,7 milhões de portugueses com diabetes ou em risco de a desenvolver, o que coloca Portugal no segundo lugar dos países da União Europeia com maior prevalência de diabetes (13,6%).

Casos diários de amputações e cegueira

Quando os números são olhados à lupa, as complicações da diabetes no nosso país saltam à vista. Como salientou num vídeo transmitido no encontro Joana Sousa, partner da MOAI Consulting, a empresa responsável pelo estudo “Diagnóstico sobre o acompanhamento da diabetes nos cuidados de saúde primários”, “todos os dias, oito pessoas são amputadas por causa da diabetes, três perdem a visão e, a cada duas horas, uma pessoa morre”. Além disso, os factores de risco são muito evidentes, sabendo-se que “Portugal é, neste momento, o segundo país mais sedentário da OCDE e dois em cada três portugueses têm excesso de peso ou obesidade”.

Para piorar o cenário, em 2020, registou-se uma redução de 23% no número de novos casos de diabetes e de 62% no número de diagnósticos de obesidade. De acordo com a consultora, “o que isto nos diz tem muito a ver com o acesso aos cuidados de saúde primários [CSP]”, já que “seria expectável que houvesse um aumento do número de casos de diabetes, porque sabemos que durante a pandemia os portugueses pioraram os seus hábitos alimentares e também diminuíram a frequência da actividade física”. Por outro lado, o estudo revelou que, ao longo do ano passado, piorou o acompanhamento da diabetes nos CSP, observando-se uma redução de 14,5% dos doentes com registo terapêutico adequado e uma diminuição de 56% da correcta monitorização dos doentes.

O outro estudo realizado para melhor retratar a diabetes no nosso país teve como foco a patologia tratada a nível hospitalar, e aqui o panorama não é mais optimista. Segundo Manuel Delgado, consultor da IASIST/IQVIA, empresa responsável pelo estudo “Impacto da Covid-19 na resposta hospitalar à diabetes em Portugal”, em 2020, o número de doentes com diabetes nos hospitais diminuiu cerca de 15%. Todavia, tal “veio associado a um aumento da complexidade dos doentes, a um tempo de internamento superior, a uma mortalidade mais elevada e também a um número de doentes com sequelas, designadamente nas amputações por doença superiores”.

Doença crónica que espelha a sociedade

No debate, moderado pela jornalista Dulce Salzedas, ficou bem patente a necessidade de se envolverem outras dimensões da sociedade, além da área da saúde, para se conseguir um melhor diagnóstico, tratamento e controlo da diabetes. De acordo com Helena Canhão, directora da Unidade EpiDoC, CEDOC – Centro de Estudos de Doenças Crónicas, “estamos sempre dependentes do ambiente, do que aprendemos ao longo da vida, da forma como nos comportamos, de como nos relacionamos com os outros e também das possibilidades que temos de nos relacionarmos com o mundo”. “Não é por acaso que a pobreza e a baixa escolaridade são factores de mau prognóstico de quase todas as doenças crónicas e particularmente nesta doença”, sublinhou, referindo-se à diabetes. No mesmo sentido, Tiago Taveira Gomes, especialista em Medicina Geral e Familiar (MGF) e elemento da task force, realçou que “pessoas com condições económicas mais desfavoráveis tendem a ter mais dificuldade de controlo e a progredir de forma mais rápida”.

Nas palavras de João Raposo, “temos de pensar que a diabetes e as outras doenças crónicas espelham o que é o nosso modelo de sociedade em primeiro lugar, o que inclui os cuidados de saúde”. Como tal, considera que “só teremos melhores resultados em diabetes se formos capazes de mudar a nossa sociedade e isso significa aumentar a literacia total da população, incluindo na saúde”.

Envolver tudo e todos para melhores resultados

“Com o envolvimento de todos” foi a resposta de João Nabais, vice-presidente da Federação Internacional de Diabetes e docente da Universidade de Évora, à questão sobre como mudar o panorama da diabetes no nosso país. Além das áreas da saúde, educação e urbanismo, João Nabais salientou a importância de se integrarem as pessoas com diabetes no processo: “Se a pessoa com diabetes ficar de fora de toda esta dinâmica muito pouco vai mudar, e isso implica envolvê-las também na definição de políticas.”

Questionada sobre o que está a ser feito para cumprir este desígnio, Sónia do Vale, directora do Programa Nacional para a Diabetes da Direcção-Geral da Saúde (DGS), explicou que “isto é sempre um plano a longo prazo” e “muitas coisas estão a ser feitas”, lembrando que, por exemplo, “grande parte da população” já tem o risco de desenvolver diabetes avaliado. Todavia, realçou que “a implementação não cabe ao Programa [da DGS]”, mas “cabe a todos”.

Que modelo de prestação de cuidados?

João Raposo destacou o importante papel dos CSP, não só no acompanhamento das pessoas com diabetes, como também das pessoas que ainda não desenvolveram a doença e junto das quais é possível intervir. Chamou ainda a atenção para a necessidade de se debater qual é o melhor modelo de cuidados para “estas doenças crónicas, em que as pessoas têm muitas patologias associadas e necessitam da intervenção de outros profissionais de saúde e não só”. “Continuamos a tentar encaixar as pessoas com diabetes num modelo, mas não respondendo às necessidades reais que têm”, constatou, deixando claro que “sem essa discussão vamos continuar a dizer que amputamos muitas pessoas”. Segundo o médico, “se calhar precisamos é de ter uma unidade integrada que detecta as situações e faz o acompanhamento”, pois “o tratamento das complicações é aquilo que está, na verdade, a consumir mais recursos de saúde”, concluiu.

Corroborando o imenso trabalho realizado nos CSP, no âmbito da diabetes e não só, Sónia do Vale reconheceu a necessidade de ser alocado tempo para todas as dimensões do acompanhamento das doenças crónicas, defendendo que tal deve ser valorizado, logo, financiado. “Se calhar temos de começar a contabilizar estes ganhos”, disse, dando como exemplo os ganhos em saúde, qualidade de vida e produtividade que se conseguem com uma pessoa que não é amputada.

Comunicação e mudança de comportamento

Será que para melhorar os resultados na diabetes será necessário alterar a forma como se comunica? “Aquilo que nós percebemos também com esta pandemia é que a comunicação é importante, mas comunicação é muito mais do que dar informação”, destacou João Raposo, para quem “a comunicação em saúde tem ainda que aprender muito com as estratégias do marketing, de como influenciamos e criamos as necessidades”.

Com diabetes há cerca de 40 anos, João Nabais confirmou que “a mudança comportamental é das coisas mais difíceis de implementar”, referindo que aquilo que, ao longo dos anos, o levou a alterar comportamentos com vista a um melhor controlo da doença, “foram motivações muito pessoais, intrínsecas”. Por esse motivo, frisa a importância da intervenção da MGF, que devido à proximidade entre o médico de família e o doente torna possível “modelar aquilo que a pessoa pode fazer adaptado à sua realidade”.

PRR em debate público

Na sessão de encerramento, o presidente da APAH, Alexandre Lourenço, resumiu os vários pontos em debate, salientando que “devemos equacionar porque é que os CSP não conseguem ainda atingir os valores que desejaríamos”. Apesar dos progressos feitos nos últimos anos, lembrou que “em muitas partes do país continuamos a ter falta de médicos de família, o que nalguns locais ultrapassa os 20%”. Nas suas palavras, “a ligação entre os CSP e os hospitais deixa muito a desejar”, sublinhando “a necessidade efectiva de termos clínicas multidisciplinares da diabetes em cada hospital público em Portugal”. Além disso, considerou que “devemos ser ainda mais ambiciosos e porventura garantir que, à semelhança de outras patologias, teremos tempos de resposta minimamente adequados e monitorizados”, pois “não é sustentável que um doente que tenha necessidade de cuidados especializados espere mais de 30 dias por uma consulta num hospital”. Ao mesmo tempo, “temos de garantir que existe capacidade de identificar estes doentes nos CSP”, constatou.

Por outro lado, enfatizou a necessidade de se proceder à transformação digital, pois “continuar a desenhar os modelos de cuidados e os sistemas de saúde com base em modelos de há 30 ou 40 anos certamente não resultará e não vale a pena continuarmos a insistir nisso”. Nesse contexto, recordou os benefícios que virão do uso da tecnologia de monitorização remota dos doentes, por exemplo, que permitirá inclusivamente “avançar na medicina personalizada”.

A terminar, explicou que o PRR entra agora numa fase de discussão pública, na qual se deseja que “todos os actores, todos os cidadãos e principalmente os doentes” participem e colaborem na preparação de “um plano que possa ser apresentado ao próximo Governo de Portugal”, pelo que, até ao próximo dia 30 de Janeiro, este documento estará em discussão pública e aberto aos contributos de todo a sociedade.

Por isso, até dia 30 de Janeiro envie os seus contributos para geral@umprrparaadiabetes.pt. A oportunidade é agora e não pode ser mais adiada!

Se não teve oportunidade de assistir a esta conferência em directo, veja aqui: