“Passaporte de vacinação” europeu vai ser gratuito, bilingue e com código de barras

Proposta da Comissão Europeia para a criação de um certificado sanitário para viagens deve ser aprovada esta quarta-feira. Documento prevê também que os países da União Europeia possam negociar a compra de vacinas com as empresas a título individual. Associação Portuguesa de Bioética entende que certificado de vacinação levanta “questões éticas substanciais”.

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Rui Gaudêncio

O projecto da Comissão Europeia que prevê a criação de um “passaporte de vacinação”, a ser aprovado na quarta-feira, vai ser gratuito, com um código de barras para leitura tanto na versão digital como impressa e terá a informação na língua oficial do país de emissão e em inglês.

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O projecto da Comissão Europeia que prevê a criação de um “passaporte de vacinação”, a ser aprovado na quarta-feira, vai ser gratuito, com um código de barras para leitura tanto na versão digital como impressa e terá a informação na língua oficial do país de emissão e em inglês.

Os detalhes foram avançados esta terça-feira pelo jornal espanhol El País. O certificado de vacinação permite a entrada num determinado território de pessoas que tenham sido inoculadas com qualquer uma das vacinas autorizadas pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA).

A aprovação acontecerá semanas depois de os representantes europeus terem discutido a introdução de um documento que certificasse, à entrada de cada país europeu, que um viajante já estava vacinado contra a covid-19.

De acordo com a publicação espanhola, o regulamento para a emissão deste “passe verde digital” estipula que o código de barras, presente tanto na versão digital como impressa, deve permitir “verificar a autenticidade, validade e integridade do certificado”. Está também previsto que o certificado “não deve ser uma condição para o exercício da liberdade de circulação”, especificando que o regulamento “não deve ser interpretado como estabelecendo uma obrigação ou um direito a ser vacinado”. Ou seja, todas as pessoas que não foram vacinadas, por impossibilidade ou vontade, devem poder deslocar-se livremente na mesma, “sujeitas, quando necessário, a testes obrigatórios ou a quarentena”.

O passaporte vai ainda possibilitar a recolha de resultados de teste ou de infecção pelo novo coronavírus, para além do certificado de vacinação. Toda a informação disponível vai estar na língua do país em que é emitido e em inglês. O documento prevê 11 dados imprescindíveis: sobre a pessoa vacinada, o nome, apelidos e a data de nascimento; sobre o produto, o tipo de vacina, marca, a empresa autorizada a fabricar e comercializar a vacina e o número de doses necessárias; o certificado deverá ainda incluir a data da inoculação e a identificação do emissor.

A proposta que vai agora ser votada prevê ainda que os países da União Europeia possam negociar a compra de vacinas com as empresas a título individual, de acordo com o El País​, uma ideia tinha sido rejeitada pelo primeiro-ministro português depois da reunião do Conselho Europeu de 26 de Fevereiro. António Costa relembrou na altura que a união dos países sob o comando da Comissão Europeia resultou numa distribuição equilibrada das doses pelos territórios, algo que muito dificilmente aconteceria em negociações bilaterais.

“Opomo-nos totalmente. Achamos que uma das grandes vantagens competitivas que a Europa afirmou neste contexto foi ter havido uma negociação conjunta conduzida por parte da Comissão Europeia. E basta verificar aquilo que tem sido a dificuldade de acesso de múltiplos países do mundo às vacinas, para imaginar o que seria na Europa se, em vez de uma compra conjunta, tivéssemos 27 Estados-membros a competir pelas vacinas. Se já assim todos sentimos que o processo é lento, imaginemos se só alguns dos países europeus tivessem tido a capacidade de adquirir essas vacinas. Felizmente foi adquirida em nome de todos pela Comissão e tem sido irmãmente repartida por todos, de acordo com um critério claro e objectivo”, disse o primeiro-ministro à data. 

O primeiro-ministro considerou que o “passaporte de vacinação” vai poder facilitar a liberdade de circulação entre países, o funcionamento do mercado interno e uma “retoma mais tranquila” do turismo.

Certificado de vacinação “suscita questões éticas substanciais"

Para Rui Nunes, presidente da Associação Portuguesa de Bioética, a decisão europeia de criar um “passaporte de vacinação” levanta “questões éticas, jurídicas e do foro social” por estar a distinguir pessoas por uma característica que não depende delas.

“Não tem comparação com nenhum programa desta natureza até agora porque se trata de uma doença global para a qual a vacinação não está a surgir ao mesmo ritmo. Nem dentro de uma sociedade particular, nem à escala global”, disse ao PÚBLICO.

Apesar de entender que a criação de um certificado seja “equacionada”, Rui Nunes sublinha que os motivos de saúde pública não podem “esmagar completamente direitos básicos das pessoas”.

Com a escassez de vacinas que tem condicionado a Europa, agravada agora com a suspensão da administração de doses da AstraZeneca, o professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto diz estar a criar-se “discriminação entre pessoas que não escolhas que não são delas”. Não só dentro da Europa, mas em relação a países de outros continentes “que ainda não receberam qualquer tipo de vacinação”.

Juntamente com o passaporte, o especialista entende, por isso, ser necessário garantir que todos os cidadãos que queiram viajar, seja qual for o motivo, têm acesso a testagem “sem custos” de forma a evitar essa discriminação. Isto enquanto não houver uma “oferta generalizada de vacinação que cubra toda a população europeia”, aquele que deve ser o foco principal do combate à pandemia.

Rui Nunes aponta também “problemas sérios relacionados com a privacidade de dados”, à luz da possibilidade de grandes multinacionais da área das tecnologias de informação e comunicação serem escolhidas para armazenar toda a informação.

“Temos de fazer melhor do que isto. É uma medida a considerar? Sim. Mas conjuntamente com outro tipo de medidas, nomeadamente a testagem, para não discriminar ninguém. E sobretudo chamando a atenção de que não é a resolução final do problema.”

Numa entrevista em Janeiro, ao PÚBLICO, também o médico Jorge Soares, presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, manifestou dúvida sobre um certificado de vacinação. “Certificado para quê? Para que serve? Se é para uma questão de viajar, lembro que já há países que não admitem pessoas sem a vacinação contra a febre amarela. Nem me parece que isso seja um problema crítico, a menos que me expliquem, para os ministros se estarem a preocupar. Aí está outro exemplo de alguma falta de lucidez. A fadiga também conduz a falta de lucidez.”