PRR: Governo admite empréstimos para habitação e empresas, mas menos do que o previsto

Plano de Recuperação e Resiliência está em consulta pública. Ministro admite prudência no recurso aos empréstimos devido a “questão macroeconómica do endividamento”.

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Reuters/POOL

O Governo pondera recorrer a 2,7 mil milhões de euros em empréstimos europeus dos fundos pós-crise da covid-19 para investimentos em habitação acessível, capitalização de empresas e transportes, segundo o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) divulgado esta terça-feira, abaixo dos 4,3 mil milhões admitidos inicialmente.

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O Governo pondera recorrer a 2,7 mil milhões de euros em empréstimos europeus dos fundos pós-crise da covid-19 para investimentos em habitação acessível, capitalização de empresas e transportes, segundo o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) divulgado esta terça-feira, abaixo dos 4,3 mil milhões admitidos inicialmente.

Depois de um rascunho apresentado à Comissão Europeia em Outubro passado e de um processo de conversações com Bruxelas, o Governo português colocou a versão preliminar e resumida do PRR em consulta pública, no qual assume o objectivo de aceder a 2,7 mil milhões de euros em empréstimos europeus, apesar de o primeiro-ministro, António Costa, ter vindo a afastar tal recurso por pretender recorrer “integralmente” às subvenções.

Segundo fonte do executivo português, ainda não está garantido este recurso aos empréstimos europeus, dado que isso vai depender das condições de financiamento de Bruxelas sobre esta vertente do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, o principal instrumento do novo Fundo de Recuperação da União Europeia.

Certo é que o Governo já o está a equacionar nesta versão preliminar, ao estipular desde logo empréstimos de 2,4 mil milhões de euros para as áreas da habitação e do investimento e ainda de 300 milhões de euros para a mobilidade sustentável, de acordo com o PRR.

A maior fatia refere-se ao Banco Português de Fomento, para o qual estão previstos 1,25 mil milhões de euros em empréstimos para a capitalização de empresas e resiliência financeira, indica o documento colocado em consulta pública.

“Os objectivos passam pelo financiamento directo a empresas com vista a restabelecer níveis de autonomia financeira, após os efeitos económicos da pandemia, fortemente adversos, terem agravado o problema estrutural de baixa capitalização do tecido empresarial português e ainda pelo financiamento por dívida ou instrumentos de quase-capital, em áreas de relevância estratégica”, explica o Governo no documento.

No que toca à área habitacional, estão a ser considerados 1,14 mil milhões de euros para o parque público de habitação a custos acessíveis (774 milhões de euros) e para o alojamento estudantil a custos acessíveis (375 milhões de euros).

A estas verbas acrescem 300 milhões de euros para o sector dos transportes, que, segundo fonte do executivo, se destinam à aquisição de material circulante ferroviário.

No primeiro esboço do PRR, entregue à Comissão Europeia em Outubro passado, não era clara a intenção de aceder a empréstimos europeus, embora se referisse que poderia ser equacionado o recurso a esta vertente do Fundo de Recuperação europeu para realizar investimentos de 4,3 mil milhões de euros em habitação pública acessível, apoio às empresas e material circulante ferroviário.

Segundo explicou à Lusa o ministro do Planeamento, os 2,7 mil milhões de euros em empréstimos aos quais o Governo pondera recorrer no PRR estão dependentes da “questão macroeconómica do endividamento”, requerendo prudência.

“Os 2,7 [mil milhões de euros] não foram descartados, nem encartados. Continuam aqui registados na condição de que sejam clarificados os termos em que eles possam vir a ser utilizados. A nossa situação, relativamente à questão macroeconómica do endividamento do país, que objectivamente condiciona e aconselha que sejamos prudentes na utilização desta verba sob a forma de empréstimos”, explicitou Nelson de Souza, em declarações à agência Lusa e a outros órgãos de comunicação social.

Questionado também sobre as exigências que Bruxelas fez em relação ao esboço apresentado em Outubro do ano passado, o governante explicou que foi feita em dois moldes.

O primeiro, “não tanto relativamente aos investimentos”, porque o “que foi pedido foi fundamentação, detalhe dos custos, detalhe dos planeamentos, detalhe das metas”.

A segunda numa dimensão “de ligação às reformas que se pretendem introduzir” e, sobretudo, as que “foram preconizadas no âmbito do chamado semestre europeu”, ou seja, nas linhas que a Comissão Europeia (CE) recomendou a cada Estado-membro.

“Foi mais do que dizer que ‘este investimento entra ou não entra'”, completou.

Plano sem metas macro

O Governo vai divulgar, “daqui a duas semanas”, o impacto macroeconómico do Plano, relativo às verbas europeias pós-crise, para o tornar “coerente” com o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC).

“Ainda não terminámos aquilo que vamos ter de apresentar, que é o impacto macroeconómico [do PRR] (…). Temos de concluir esse exercício com o Ministério das Finanças que está a fazer esse exercício, porque temos de o tornar combatível e coerente com o exercício do PEC, que temos de concluir agora em abril”, explicou o ministro do Planeamento, Nelson de Souza, à agência Lusa e a outros órgãos de comunicação social.

O ministro do Planeamento disse que estava a tentar ser feita a compatibilização “dos dois exercícios”.

“Só daqui a duas semanas é que teremos esses números, propositadamente não os apresentámos agora, porque (…) os modelos macroeconómicos também têm lidado muito mal com a crise pandémica”, acrescentou, razão pela qual, ainda há “dificuldade em dizer qualquer coisa que seja coerente”.

Em Outubro do ano passado, o esboço do PRR previa um impacto positivo médio no Produto Interno Bruto (PIB) de Portugal de 0,5 pontos percentuais por ano até 2026.

Ao todo, o PRR agora apresentado, prevê 36 reformas e 77 investimentos nas áreas sociais, clima e digitalização, num total de 13,9 mil milhões de euros em subvenções.

Dotado com 672,5 mil milhões de euros em subvenções e empréstimos, o Mecanismo de Recuperação e Resiliência é o principal elemento do pacote de recuperação acordado em 2020 pela UE para fazer face à crise social e económica provocada pela pandemia de covid-19, o ‘NextGenerationEU’, com uma dotação total de 750 mil milhões de euros, entre subvenções e empréstimos.

Combinando o Quadro Financeiro Plurianual para 2021-2027, de 1,074 biliões de euros, e o Fundo de Recuperação de 750 mil milhões, a UE dispõe assim de uma ‘bazuca’ de 1,8 mil milhões de euros para fazer face à crise gerada pela covid-19, cabendo a Portugal cerca de 45 mil milhões - 30 mil milhões de euros do orçamento comunitário para os próximos sete anos, a que acrescem 15,3 mil milhões de euros em subvenções do Fundo de Recuperação -, havendo ainda a possibilidade de o país pedir empréstimos, se o desejar.

Plano acima dos requisitos de Bruxelas para metas “verde” e digital

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) português para aceder às verbas comunitárias pós-crise da covid-19 prevê que 47% das verbas tenham como fim a sustentabilidade ambiental, enquanto 38% visam a transformação digital, acima dos requisitos de Bruxelas.

Depois de um rascunho apresentado à Comissão Europeia em Outubro passado e de um processo de conversações com Bruxelas, o Governo português coloca hoje a versão preliminar e resumida do PRR em consulta pública, no qual garante ter um documento “alinhado com os pilares relevantes da política” da União Europeia (UE).

Um desses pilares é o da transição ‘verde’, área sobre a qual “o PRR português cumpre o limiar de 37% do seu investimento global com afectação a objectivos de transição climática, atingindo os 47%”, destaca o executivo no documento, numa alusão à meta estabelecida pela Comissão Europeia.

Isto significa então que, do ‘bolo’ total de 13,9 mil milhões de euros em subvenções a fundo perdido do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, o principal instrumento do novo Fundo de Recuperação da União Europeia, Portugal prevê destinar 6,5 mil milhões de euros à transição climática.

A meta dos 37% para as questões ‘verdes’ foi um dos requisitos estabelecidos por Bruxelas para os planos nacionais de resiliência e recuperação dos Estados-membros, ao qual se junta a obrigação de dedicar pelo menos 20% das verbas à transformação digital.

Também relativamente à meta digital, “o PRR integra investimentos que ultrapassam o limiar de 20%, com o contributo direto de sete das 19 componentes”, assinala o Governo.

Assim, do total das subvenções alocadas a Portugal, cerca de 5,3 mil milhões de euros – ou seja, 38% do total – serão usados para a transição digital.

O executivo comunitário exige, ainda, que os países relacionem os seus planos nacionais com as recomendações que têm sido feitas no âmbito dos Semestre Europeu, incluindo em 2019.

Sobre esta questão, o Governo aponta que o PRR “promove intervenções de mudança estrutural, alinhadas com as conclusões sobre os obstáculos e desafios que Portugal enfrenta, referenciados nos documentos publicados no âmbito do Semestre Europeu”.

Isto porque, de acordo com o Governo, o plano nacional dá resposta a “quatro grandes áreas de preocupação” inscritas nas recomendações feitas por Bruxelas no âmbito do Semestre Europeu, como as necessidades de garantir resiliência financeira e institucional, de dinamizar o mercado de trabalho e melhorar competências, de fomentar o investimento público e privado e ainda de melhorar as condições de contexto para as empresas e os cidadãos.

A Comissão Europeia exige, ainda, que os países disponham de sistemas de controlo adequados destas verbas comunitárias.

E, relativamente a esta questão, Portugal criou um modelo de governação com três níveis de coordenação: nível coordenação política (Comissão Interministerial do PRR), nível de acompanhamento (Comissão Nacional de Acompanhamento) e ainda nível técnico e de gestão (estrutura de missão “Recuperar Portugal”).