Nunca tinha perdido tantos amigos (secretos)

Os meus amigos secretos vêm todos da mesma prateleira, como se fossem comprados a granel: cinco euros o quilo e não se fala mais nisso. Será que vamos ter saudades ou acaba este ano a tradição?

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Kira aud fer Heida/Unsplash

Sempre achei que iria ficar careca em Dezembro. A genética já está a trabalhar nesse assunto há alguns anos, mas organizar jantares de Natal dá uma ajuda valiosa. Menos este ano. Não tenho nada para organizar, nem sítios para comparecer. Estou em repouso enquanto ostento uma cabeleira farta ao lado de uma agenda limpa.

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Sempre achei que iria ficar careca em Dezembro. A genética já está a trabalhar nesse assunto há alguns anos, mas organizar jantares de Natal dá uma ajuda valiosa. Menos este ano. Não tenho nada para organizar, nem sítios para comparecer. Estou em repouso enquanto ostento uma cabeleira farta ao lado de uma agenda limpa.

Há amigos, colegas e famílias. Serão três jantares de Natal? Claro que não, são pelo menos 12 porque cada grupo de pessoas divide-se tanto como uma bela matrioska. Há amigos de sempre, da faculdade ou da escola da vida. Há os colegas antigos e os actuais, jantar de equipa, jantar da empresa e jantar com amigos da empresa. É cansativo só de pensar. Há mais jantares do que fome e a vontade de ir é uma variável difícil de calcular. Excepto a vontade de beber um copo de vinho (ou uma garrafa inteira), essa é constante.

Jantares de Natal é muito mais do que um evento mundano. É um tema que não pode ser abordado de forma tão leviana, principalmente porque é o maior jantar da história das nossas vidas. Começa sempre dias, semanas ou meses antes, a partir do momento em que alguém diz “Vamos sortear amigos secretos, mas só até cinco euros”. Embebidos pelo espírito natalício, ninguém consegue rejeitar a ideia e lá vamos todos comprar bugigangas.

Dizem que o amor não tem preço e eu acredito. E os amigos? Vêm com etiqueta? Os meus não, rasguei logo tudo porque não tinha (nem tenho) intenção de os trocar ou devolver. O mesmo não posso dizer dos meus amigos secretos. Esses vêm todos da mesma prateleira, como se fossem comprados a granel: cinco euros o quilo e não se fala mais nisso. Será que vamos ter saudades ou acaba este ano a tradição?

Não sei quem inventou o conceito, mas até gosto, especialmente para fazer na empresa. Há um sorteio e, tal como na vida, os amigos secretos não são todos iguais. Será que vamos gostar da nossa sorte? Podemos gostar da pessoa, pode até ser o nosso melhor amigo lá dentro. Nesse caso, tudo se torna fácil. Em vez de bugigangas comuns, há o mínimo esforço para comprar ou fazer algo engraçado, que seja uma lembrança dos bons momentos partilhados. Mas e se não gostarmos da pessoa? Ou se ela entrou há tão pouco tempo que nos é indiferente? Fácil: vinhos, chocolates, álcool gel. Este ano, tudo era possível.

Jantar a jantar, enchíamos nós a barriga enquanto guardávamos presentes para o qual não gastámos mais do que cinco minutos de vida. Há excepções, claro, e eu sou uma delas. Em 2019, recebi creme de barbear. Foi útil, foi divertido e foi a primeira vez que um amigo secreto me surpreendeu. Tal como os jantares, também as surpresas vão ter de ser virtuais. Mas não será nada mais do que uma falsa sensação de jantar a sério.

Já imaginaram a trabalheira de enviar bugigangas pelo correio? E descobrir a morada? Lá se vai o lado secreto. Mesmo se for comprado online, com portes de envio grátis, será que vale a pena o esforço? Talvez não. Mais vale gastar este precioso tempo a bajular as pessoas de quem temos verdadeiramente saudades.