O que aprendi ao usar o Tinder mais do que queria (ou romance em tempos de pandemia)

Eu sou mulher dos anos 80, adepta de um bom cruzar de olhares na rua mesmo com máscara, mas em plena quarentena no meu apartamento de 42 metros quadrados, sozinha com o cão, lá troquei o preconceito pelo telefone. “Ai, credo, o Tinder é terrível, quem é que está no Tinder?” Ninguém. Apenas milhares de pessoas cujo estado de emergência é mais carência de amassos.

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Pratik Gupta/Unsplash

Portugal, país de brandos costumes e fortes regras, acorda numa manhã de nevoeiro em ano de pandemia e já não pode dar dois beijinhos aos amigos, abraçar o vizinho nem sentar-se no banco do jardim ao lado da miúda gira. 2020 não está fácil para ninguém, nem para quem filtra o seu Instagram mais do que devia. Mas como apenas podemos falar de nós, hoje vou contar-vos o que aprendi ao usar o Tinder, aquela aplicação de namoro que muitos de vocês dominam mais do que eu, e da qual não percebia nadinha até há uns meses.

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Portugal, país de brandos costumes e fortes regras, acorda numa manhã de nevoeiro em ano de pandemia e já não pode dar dois beijinhos aos amigos, abraçar o vizinho nem sentar-se no banco do jardim ao lado da miúda gira. 2020 não está fácil para ninguém, nem para quem filtra o seu Instagram mais do que devia. Mas como apenas podemos falar de nós, hoje vou contar-vos o que aprendi ao usar o Tinder, aquela aplicação de namoro que muitos de vocês dominam mais do que eu, e da qual não percebia nadinha até há uns meses.

Eu sou mulher dos anos 80, adepta de um bom cruzar de olhares na rua mesmo com máscara, mas em plena quarentena no meu apartamento de 42 metros quadrados, sozinha com o cão, lá troquei o preconceito pelo telefone. “Ai, credo, o Tinder é terrível, quem é que está no Tinder?” Ninguém. Apenas milhares de pessoas cujo estado de emergência é mais carência de amassos. E foi isto que aprendi. 

O paradoxo da escolha 

The Paradox of Choice​, de ​Barry Schwartz, fala-nos da falácia da escolha. Ter muita escolha parece algo bom, que nos traz liberdade, mas na verdade é uma grande confusão que só causa ansiedade. Qual de vocês compra sempre a mesma marca de produtos? E quem está sempre a experimentar coisas novas, perdendo horas à procura da melhor pasta dos dentes branqueadora com a embalagem amiga do ambiente? A maioria joga no segundo grupo, mas não sem aquela sensação de ​too much choice, ​onde cada coisa parece melhor do que a outra quando eu​ ‘quero apenas uma pasta de dentes que lave os dentes’. O mesmo se passa no Tinder. Se não sabes o que queres, o mais certo é não encontrares o que procuras. 

Diz-me o que queres, dir-te-ei quem procurar

Um príncipe encantado para beber um copo de vinho? Uma lady na mesa que é louca na cama? Uma rainha para casar ou um gato para fazer sexo por mensagens? No Tinder há de tudo, qual Uber Eats. Mas primeiro tens que fazer o trabalho de casa e saber se queres pizza vegan ou hambúrguer com todos. Todos os dias são diferentes. Mas, cuidado, este ano estamos todos privados de amor, por isso vê com quem te metes. Vai com calma - ou não, e ao menos ficas logo a saber se vale a pena investir mais tempo e energia na coisa. A verdade é que está tudo confuso, por isso tem que ser casual, ​you know? Sem compromisso.

Fazes ​match. E depois?

Fazer ​match com alguém quer dizer isso mesmo: fazer ​match e nada mais. É como cruzar olhares na rua. Só depois é que a história começa. Quem inicia a conversa e como fazê-la, geralmente envolvendo muitos ‘hahahas’ e emojis. Há toda uma​ texting etiquette​ a seguir. Tem que ser leve. Se falas demais és neurótica, hiperactivo se és ele; se falas de menos, és distante ou estás a esconder alguma coisa. Atenção que tudo, da vírgula ao ponto de exclamação, está a ser analisado. Por isso, repito, vai com cuidado, a não ser que queiras ser mandado à fava ou trocada por uma mais loura, mais morena, mais alta, mais baixo e, acima de tudo, mais gordo e mais magro.

Vamos fazer isto ​IRL, aka na vida real? 

Trocaram-se umas mensagens, talvez a conta do Instagram e o WhatsApp, nunca um SMS. Aqui depende do género do match. Há quem goste de deixar o outro na prateleira por semanas e ir fazendo aquele ​"stalkingzito” ​nas stories [ inserir emoji de fogo ardente aqui]. Outros há que não perdem tempo e ignoram o medo da rejeição, atirando-se para um café ou copo, mas nunca uma refeição. Era só o que faltava. Afinal, queremos uma relação casual para toda a vida e perfeita, pronta a levar com mil ​likes​ no Instagram. 

Está a tornar-se real? “Fantasma-os"

O encontro até correu bem, apesar dos medos naturais de quando se conhece uma pessoa nova, sobretudo em modo pandemia. O que fazer a seguir? Fingir que não correu bem, que não estamos assim tão interessados - ​loser alert! -​ e seguir em frente, eventualmente deixando de responder. Regra de ouro destas aplicações é nunca, mas nunca, mostrar qualquer sinal de que se é uma pessoa real. Dúvidas, medos, vontades? Manda mais um emoji, desconversa ou, simplesmente, passa ao próximo. 

Não funcionou? Segue em frente

Afinal, há todo um mundo virtual por explorar e, se não houver ninguém nos próximos 200 quilómetros quadrados, podes sempre ir global e procurar no mundo inteiro. Isso sim, tem tudo para correr bem: falar com um desconhecido de sítio desconhecido. Se queres algo mais (a) sério vais sentir que o Tinder em 2020 é aquela experiência sem sabor, que parecia tão bom mas que, na verdade, não sabe a nada. Como fotos de #foodporn no Instagram. Ou, como dizia já não sei quem, ‘é como ir ao mercado ao final do dia, quando já está tudo escolhido’. Hashtag adoro.

Parece que romance em tempos de pandemia é mais complicado do que amor em tempos de cólera. A parte boa é que sei que não estou sozinha nisto. Ou estou?