Devolver a esperança ao sonho

Se o projecto de uma família, de uma mulher ou de um casal passa por ter um filho, que não seja a pandemia de Covid-19 a colocar obstáculos no caminho. Como forma de devolver a confiança a quem quer concretizar o seu desejo de parentalidade, a Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução e a Associação Portuguesa de Fertilidade, com o apoio da Merck, associam-se a uma campanha, lançada hoje, para encorajar o sonho de gerar uma nova vida.

Ter um filho faz parte dos projectos da maioria das pessoas. Ainda que nem todas tenham obrigatoriamente o desejo da parentalidade, para os que querem e não conseguem concretizar este objectivo, o desgaste emocional é enorme. Apesar de ainda haver muito desconhecimento sobre o tema da infertilidade, são variadas as causas – femininas e masculinas – que podem impedir tentativas bem-sucedidas de gerar um ser.

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Ter um filho faz parte dos projectos da maioria das pessoas. Ainda que nem todas tenham obrigatoriamente o desejo da parentalidade, para os que querem e não conseguem concretizar este objectivo, o desgaste emocional é enorme. Apesar de ainda haver muito desconhecimento sobre o tema da infertilidade, são variadas as causas – femininas e masculinas – que podem impedir tentativas bem-sucedidas de gerar um ser.

A infertilidade define-se como a incapacidade de um casal conceber ou levar a bom termo uma gravidez depois de, pelo menos, um ano de relações sexuais regulares sem qualquer protecção e recurso a contracepção. A doença, já considerada como um problema de Saúde Pública pela Organização Mundial da Saúde, afecta milhões de pessoas em todo o mundo.

Existem inúmeras causas que ajudam a explicar este problema e, se há três décadas, eram predominantemente femininas, actualmente verifica-se um aumento muito significativo das causas de infertilidade masculinas. “Há cada vez mais situações mistas, ou seja, em que encontramos simultaneamente problemas no homem e na mulher. Tem vindo a crescer também de forma significativa a situação de não encontrarmos uma verdadeira causa para a infertilidade à excepção da idade da mulher”, explica Pedro Xavier, presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução (SPMR). Vai sendo assim frequente o surgimento de casos em que tudo está normal e dentro dos parâmetros à excepção da reserva ovárica da mulher, muito relacionada com a idade.

“Actualmente, há um maior equilíbrio entre as causas femininas e masculinas”, acrescenta o especialista em ginecologia e obstetrícia. Sabe-se ainda que nas sociedades mais desenvolvidas, os estilos de vida têm um grande impacto na qualidade dos espermatozóides. “Portanto, a poluição, a obesidade, o sedentarismo, o consumo de álcool e o tabaco são responsáveis pelo aumento destas causas de infertilidade nos homens”, explica Pedro Xavier.

Casais chegam tarde a consultas de especialidade

Apesar de existir hoje maior informação e consciencialização para este tema, o médico ginecologista lamenta que os casais continuem a chegar muito tarde aos Centros de Procriação Medicamente Assistida (PMA). “No subconsciente destas pessoas, existe a ideia de que os avanços da ciência e da tecnologia são suficientes, mas não é isso que acontece. Nós sabemos que a partir de uma determinada idade, as taxas de sucesso baixam drasticamente mesmo quando recorremos às técnicas mais diferenciadas”, defende. E apesar de, em Portugal, existirem as opções mais avançadas e com a mesma qualidade das existentes em outros países do mundo, a matéria prima que está na génese destes tratamentos é composta pelas células e as mesmas estão muito condicionadas pela idade. “Muitas vezes, adiar um ano a um ano e meio uma decisão de fazer um tratamento pode ser a diferença entre conseguir ou não ter sucesso”, alerta Pedro Xavier.

A questão do relógio biológico torna-se mais importante nas mulheres do que nos homens porque a partir dos 35 anos, são elas que sofrem uma “queda acentuada na sua fertilidade”, diz o presidente da SPMR. Defensor de uma maior articulação entre os cuidados de saúde primários, os médicos de ginecologia e os especialistas em medicina da reprodução, Pedro Xavier ressalva que ainda existe um longo caminho a percorrer no sentido de informar os casais sobre questões tão importantes como a reserva ovárica, as modalidades de preservação ovárica ou a antecipação dos seus projectos parentais. “Essa informação mais específica sobre as opções ao dispor no que respeita aos vários tipos de tratamento, sobre as taxas de sucesso de cada um deles consoante a faixa etária e a idade limite para se fazer congelação de ovócitos, exige uma consulta com um especialista em reprodução. Um médico de medicina geral e familiar e mesmo um ginecologista geral não estão preparados para dar esta informação com exactidão”, sublinha.

Actualmente, os tempos de espera no serviço público para um primeiro tratamento são, muitas vezes, superiores a um ano ou ano meio, sendo que a idade limite para a realização das três tentativas comparticipadas pelo Estado situa-se nos 40 anos. Uma das lutas da Associação Portuguesa de Fertilidade (APF), desde há alguns anos, é o aumento da idade limite da mulher para o acesso a tratamentos de fertilidade de segunda linha com maior taxa de sucesso no Serviço Nacional de Saúde [Fertilização in Vitro e microinjecção intracitoplasmática de espermatozóides, cuja sigla em inglês é ICSI] até, pelo menos, os 42 anos”, explica a vice-presidente Filomena Gonçalves.

Com a pandemia da Covid-19, alguns casais acabaram por se retrair e abandonar os seus tratamentos ou a procura de ajuda especializada, “o que não deixa de ser preocupante sobretudo para as mulheres perto dos 40 anos e sem meios para tentarem o seu tratamento no privado”, assinala a responsável. “Por outro lado, acreditamos que a situação dos tempos de espera no Serviço Nacional de Saúde tenha piorado com a pandemia.”

Rumo à concretização do sonho

Como forma de restaurar a confiança dos casais, a SPMR e a APF juntaram-se numa campanha de sensibilização, com o apoio da farmacêutica Merck. Aproveitando a comemoração do Dia Mundial do Sonho, assinalado hoje [25 de Setembro], o objectivo da iniciativa passa por encorajar os casais a persistirem no seu sonho de parentalidade. “A mensagem a passar é a de que não se deve adiar uma vida”, refere Pedro Xavier. E passa também por devolver alguma segurança aos casais que estão a fazer tratamentos de fertilidade para a questão de que é seguro continuarem a fazê-lo. “Queremos dar-lhes alguma segurança e explicar que os centros de PMA estão a funcionar de acordo com todas as normas de segurança e recomendações em vigor para protecção contra a Covid-19”, acrescenta Filomena Gonçalves.

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E, se no início, houve bastantes dúvidas relativamente ao impacto da Covid-19 na gravidez e nos tratamentos de PMA, tem vindo a constatar-se que “o impacto é relativamente discreto, ou seja, os casos de grávidas infectadas com o novo coronavírus que resultam em complicações graves para elas próprias e para os recém-nascidos é muito baixo. No caso concreto das grávidas, o comportamento e o decurso da doença até é melhor do que aquilo que esperávamos, o que nos deu alguma confiança”, salienta Pedro Xavier. E acrescenta: “O sonho dos casais e das mulheres em concretizar o desejo de ter um filho não deve ser inibido por esta questão da pandemia”. É assim preciso devolver a esperança. “Todas as nossas reivindicações e as alterações que queremos ver reflectidas na legislação fazem parte deste sonho e, nós, enquanto associação, vamos estar presentes nesse caminho”, refere a vice-presidente da APF.

Neste tema que é delicado e que só pertence a cada casal, a APF assinala a relevância de sensibilizar a população para alguns dados sobre o tema da infertilidade. “É também uma campanha útil para desmistificar as causas da infertilidade, os tipos de tratamentos e para dar algum apoio psicológico porque, muitas vezes, os amigos e familiares não conseguem compreender este sonho e acabam por cair em chavões muito incomodativos que dificultam a gestão emocional dos casais. Há que respeitar o abalo emocional que um casal infértil vive”, acrescenta.

Segundo dados do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, cerca de 3% dos bebés em Portugal são concebidos com recurso a um tratamento de fertilidade. “Recordo que foi há mais de 20 anos que a Merck disponibilizou a primeira FSH recombinante, uma das hormonas necessárias para tratar a infertilidade. Deu-se assim início a uma nova abordagem nesta área correspondendo a um passo muito importante na investigação e desenvolvimento”, refere o director-geral Pedro Moura. A farmacêutica estima que o impacto desta e de outras inovações que a Merck, em conjunto com cientistas e profissionais de saúde tornaram possíveis, se cifre já em cerca de três milhões de crianças que nasceram a nível mundial.

A inovação faz parte de todo este processo e, nesse sentido, a Merck continua a expandir as suas soluções para optimizar processos e contribuir para a qualidade dos tratamentos e técnicas de PMA. “Somos a única empresa farmacêutica com uma oferta global nesta área que vai desde medicamentos para estimulação ovárica e para diferentes fases de um ciclo de tratamento, até tecnologias inovadoras”, destaca o director-geral.

Procurar ajuda no momento certo

É então importante não adiar por tempo demasiado a procura de ajuda especializada sobretudo com o avançar da idade da mulher. É que mesmo com as técnicas mais sofisticadas e diferenciadas ao dispor em Portugal, as taxas de sucesso dos tratamentos de fertilidade também variam consoante a idade. “Podemos afirmar que mesmo com factores masculinos muito graves e em que o homem produz muito poucos espermatozóides onde seria praticamente impossível engravidar de forma natural, temos taxas de sucesso de tratamentos por PMA que podem ser superiores a 50% por cada tentativa se a idade da mulher for inferior a 35 anos”, revela Pedro Xavier.

Ainda que existam variáveis que influenciam a taxa de sucesso independentemente da idade, em casais com um padrão dito normal ou sem factores muito graves de fertilidade, a taxa de sucesso desce para os 40%, dos 35 aos 38 anos. “A percentagem baixa para os 25% entre os 38 e os 40 anos, situando-se abaixo deste valor após os 40 anos, tornando-se depois residual, aos 43 / 44 anos, idades em que se aproxima dos 5%.” O médico ginecologista revela que estes números causam algum choque aos casais que procuram ajuda tarde demais à procura de uma solução para o seu problema.

Quando um primeiro tratamento não corre bem, há a hipótese de tentar outras técnicas nos tratamentos subsequentes. “Muitas vezes, são congelados embriões que podem ser usados posteriormente em novas tentativas”, diz o presidente da SPMR. “Nós defendemos a ideia de que por detrás de um projecto de concretizar uma família há sempre um sonho que é construído ao longo dos anos e que, por vezes, estagna com a realidade dos números e com o diagnóstico de infertilidade. Só procurando ajuda no momento certo é que se consegue realizar este objectivo. Não é dramático esperar um pouco mais aos 35 anos, mas passa a sê-lo a partir dos 41. Quando os casais estão em limite de idade já avançada ou em situações em que os ovários estão próximos do esgotamento, se adiarem, nem que seja por meio ano, estão potencialmente a abdicar de gerar uma nova vida.”, conclui Pedro Xavier.

Esta campanha serve também para consciencializar os casais e as mulheres de que o adiamento pode ser altamente prejudicial. “Muitas vezes, as mulheres até têm condições, têm um parceiro ou até já decidiram que querem ter um filho sozinhas, mas preferem esperar porque querem viajar mais, tirar um mestrado ou concretizar algumas aspirações profissionais que são legítimas. Mas, com o adiantar da idade, tudo o que ficou para trás passa a não fazer muito sentido se o sonho de ter um filho não se concretizar”, defende o especialista em ginecologia e obstetrícia.

O caminho está longe de ser fácil e a pandemia veio trazer alguma incerteza aos casais que lutam por um filho. Mas desistir do sonho não é a melhor alternativa.