Diego Carlos, o herói europeu que passou despercebido em Portugal

Central brasileiro acabou por ser determinante para o triunfo do Sevilha na final da Liga Europa, depois de um início de jogo tremido. Com passagens por Estoril e FC Porto B, é apontado aos colossos da Europa.

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O herói do Sevilha na Liga Europa Reuters/POOL

Devagar, discretamente, como quem nem quer a coisa. Foi assim que Diego Carlos passou de apenas mais um jogador do FC Porto B, em 2015, para o homem que entregou uma Liga Europa ao Sevilha, em 2020, com um improvável pontapé de bicicleta nos derradeiros momentos da final, diante do Inter Milão. Um prémio inesperado para um jogador “inteligente” e, garante quem o conhece, capaz de lidar bem com a pressão.

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Devagar, discretamente, como quem nem quer a coisa. Foi assim que Diego Carlos passou de apenas mais um jogador do FC Porto B, em 2015, para o homem que entregou uma Liga Europa ao Sevilha, em 2020, com um improvável pontapé de bicicleta nos derradeiros momentos da final, diante do Inter Milão. Um prémio inesperado para um jogador “inteligente” e, garante quem o conhece, capaz de lidar bem com a pressão.

Mas o cenário esteve negro para o central brasileiro, em Colónia. Participou nos dois golos do Inter, fazendo duas faltas: uma para penálti (escapou à expulsão por pouco) e outra para o livre que originou o 2-2. E ainda esteve perto de cometer um segundo penálti, num jogo que parecia condená-lo a uma noite de insónias.

Já na segunda parte, Diego Carlos contou com uma ajuda de Lukaku para transformar um pontapé de bicicleta numa Liga Europa. E acabou como herói, assistindo aos cinco minutos finais a partir do banco, sem conseguir conter as emoções.

Não se pense, porém, que o defesa nascido em Barra Bonita, São Paulo, há 27 anos, precisou desta aura heróica para ser falado na Europa. “60 milhões pelo Diego Carlos? Tanto? Mas esse não é aquele central que passou despercebido pelo Estoril e pelo FC Porto B?”. É esta a dúvida que pode, nas últimas semanas, ter surgido na mente de muitas pessoas que souberam de notícias que dão conta do interesse de Liverpool, Real Madrid, Manchester City e Bayern de Munique na sua contratação.

Com uma cláusula de rescisão de 75 milhões de euros, Diego Carlos é, neste momento, um dos nomes mais assíduos nas listas dos “tubarões” que procuram um central. E sim, este é o jogador que passou de forma relativamente anónima pela I Liga, no Estoril, e pela II divisão, no FC Porto B. Um caso em tudo semelhante aos de Thiago Silva — foi discreto no FC Porto B e tornou-se um dos melhores do mundo — ou mesmo Merih Demiral — que o Sporting deixou sair por valores modestos e que, até se lesionar, se tornou titular da Juventus.

“Personalidade interessante”

De onde saiu, então, um Diego Carlos digno de “tubarão” europeu e que já foi, assumidamente, observado pelos adjuntos de Tite para a selecção brasileira? André Caio, ex-colega de equipa no FC Porto B, explica ao PÚBLICO que, apesar de ser uma evolução e tanto, já se conseguia prever este tipo de crescimento, pelas características  de um central então com 22 anos.

“Esperava uma boa evolução do Diego por causa das capacidades físicas que ele tem. Só o trabalho dele é que levou a essa evolução e não estou surpreendido”, começa por explicar. E detalha: “Ele tinha também uma personalidade interessante, porque era inteligente e não demonstrava ceder à pressão”.

Primeiro, ainda jovem, Diego Carlos foi, em simultâneo, futebolista e trabalhador agrícola, vendedor de gelados e pintor de móveis numa fábrica. Depois, foi apenas mais um jogador em vários plantéis — e em muitas equipas. Agora, está nas shortlists dos “grandes” europeus.

Este percurso de Diego Carlos, não sendo inédito em jogadores vindos do Brasil, tem traços incomuns. É, por um lado, um jogador que subiu a pulso. Do Brasil veio para Portugal, da II divisão portuguesa subiu para a I Liga, antes de se mudar para uma equipa modesta de um campeonato de topo (o Nantes, em França), despertando interesse num campeonato ainda maior — contratou-o o Sevilha, em Espanha. 

O mais invulgar em Diego Carlos é ver, por um lado, a demora a atingir um patamar de excelência — convencer algum clube a pagar 60 milhões de euros por um central de 27 anos é pouco usual — e, por outro prisma, a forma como andou na penumbra em locais que, geralmente, permitem mostrar talento.

A Liga portuguesa é, por excelência, um trampolim entre as equipas médias e o pelotão da frente da Europa, mas, com este jogador, nada se passou desta forma. E foi, durante vários anos, o central para o qual não havia espaço.

“Dava-me muito bem com o Diego. Lembro-me dele sempre bem-disposto, era raro ficar chateado. E a malta, na altura, brincava com o porte físico dele para aquela idade, já que parecia ser mais velho do que era”, recorda André Caio.

De avançado a central

Curiosamente, a Diego Carlos foi pedido, quando começou a carreira no modesto Desportivo Brasil, que deixasse de ser avançado e passasse a jogar como defesa-central. “Tive dúvidas, porque cada golo que a equipa concede é culpa tua [como central]”, chegou a recordar o jogador à ESPN, mal sabendo que haveria de decidir uma Liga Europa com um pontapé de bicicleta.

Apesar de ter acedido ao conselho do clube, tornando-se defesa-central, durante vários anos Diego Carlos não teve o que queria: espaço para jogar. Foi emprestado e, já no São Paulo, depois de meses na equipa B, lá foi chamado à equipa principal. Mas, mais uma vez, não havia espaço. Numa equipa com sete centrais, Diego Carlos era só mais um. 

Tentou, depois, a sorte no Paulista, clube do mesmo estado, sem sucesso. E no Madureira, também sem sucesso. E foi neste momento que, pela relação próxima com a empresa Traffic, Diego decidiu comprar um bilhete de avião para Lisboa, para jogar no Estoril. Mas a sina era a mesma: nunca havia espaço para ele e o Estoril enviou-o para a II Liga, para rodar no FC Porto B.

Na altura, na equipa principal do FC Porto, o treinador era Julen Lopetegui, que nada ligou a um central perdido na formação secundária.Agora, cinco anos depois — após algum destaque no Estoril e no Nantes —, Diego Carlos conseguiu fazer com que Lopetegui, actual treinador do Sevilha, não saiba viver sem ele — é o segundo jogador mais utilizado, apenas atrás de Jesús Navas. 

Para lá chegar teve, segundo o ex-colega André Caio, de superar o grande defeito que tinha: a tranquilidade. “A capacidade física era o melhor que ele tinha, mas, na altura [no FC Porto B], talvez fosse demasiado tranquilo no jogo. Isso poderia ser um defeito dele”, aponta.

Em Espanha, o central ganhou a alcunha de “El muro”, que nem precisa de tradução para português. E mereceu, por parte do ex-Benfica Nolito, uma definição clara: “É um homem mais forte do que o vinagre”.