Planos de gestão das Zonas Especiais de Conservação têm “graves insuficiências”, acusa a Zero

Período de discussão pública das primeiras oito propostas de planos de gestão terminou esta sexta-feira. Associação ambientalista diz que documentos têm muitas falhas e exigem que o processo se reinicie quando houver cartografia actualizada

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A ZEC Arrábida-Espichel é uma das que já tem uma proposta de plano de gestão daniel rocha

As primeiras oito propostas de planos de gestão das zonas especiais de conservação (ZEC), que estiveram até esta sexta-feira em consulta pública, não convenceram a associação ambientalista Zero, que deixa uma exigência: que se dê um passo atrás e se façam as coisas com calma, porque os documentos actuais estão cheios de “fragilidades” e revelam “graves insuficiências”. Em Março, e após um contencioso com a Comissão Europeia, o Governo português formalizou a classificação de 62 ZEC, num decreto regulamentar que estabelece que os respectivos planos de gestão terão de ser elaborados no prazo de até dois anos. Nada está a ser feito como devia, critica a Zero.

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As primeiras oito propostas de planos de gestão das zonas especiais de conservação (ZEC), que estiveram até esta sexta-feira em consulta pública, não convenceram a associação ambientalista Zero, que deixa uma exigência: que se dê um passo atrás e se façam as coisas com calma, porque os documentos actuais estão cheios de “fragilidades” e revelam “graves insuficiências”. Em Março, e após um contencioso com a Comissão Europeia, o Governo português formalizou a classificação de 62 ZEC, num decreto regulamentar que estabelece que os respectivos planos de gestão terão de ser elaborados no prazo de até dois anos. Nada está a ser feito como devia, critica a Zero.

O decreto regulamentar n.º1/2020, de 16 de Março, formalizou algo que Portugal já devia ter feito há vários anos, segundo uma directiva comunitária: a transformação dos 62 sítios de importância comunitária (SIC) da Rede Natura 2000 em ZEC, e a adopção de medidas concretas, elencadas nos planos de gestão de cada uma delas, que permitam a protecção efectiva destes habitats naturais.

A falha nacional no cumprimento daquela directiva levou o país a ser condenado, no ano passado, pelo Tribunal Europeu de Justiça, por incumprimento da directiva Habitats, e o decreto regulamentar de Março surge, no entender da Zero, apenas como uma resposta a esta condenação, numa tentativa de o país ultrapassar este contencioso. Paulo Lucas, da Zero, não poupa nas palavras e diz mesmo que aquele decreto é “uma intrujice”, porque deixa por fazer praticamente tudo o que é necessário. “Devia haver um plano de gestão para cada ZEC e para cada uma delas um decreto regulamentar, com as medidas específicas. Precisamos de planos de gestão que definam quais os recursos financeiros e técnicos de que vamos precisar para manter o estado de conservação favorável daqueles habitats que nos obrigamos a conservar perante a União Europeia.”, diz. 

E nem o prazo máximo “não superior a dois anos” para a elaboração dos planos de gestão, previsto no decreto, sossega o especialista da Zero em conservação da natureza e biodiversidade. “Não nos dá muita segurança, porque não nos interessa só a questão do prazo. Interessa-nos muito a qualidade”. E isso, diz, é algo que não existe nos primeiros oito planos colocados à discussão públicas, para as ZEC de Azabuxo-Leiria, Comporta-Galé, Arrábida-Espichel, Peniche-Santa Cruz, Dunas de Mira, Gândara e Gafanhas, Litoral Norte e São Mamede. “Em sete das oito [a excepção é São Mamede] não existe uma cartografia credível”, exemplifica o ambientalista.

Num comunicado sobre o tema, a que o PÚBLICO teve acesso, a Zero sistematiza que após a análise das propostas submetidas à consulta pública pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) encontrou “graves lacunas de conhecimento sobre as ocorrências e sobre o estado de conservação da maior parte dos habitats e espécies protegidas e insuficiências nas medidas propostas”.

A Zero critica o facto de se ter recorrido à “cartografia de habitats naturais e seminaturais e da flora que foi elaborada em 2006, no âmbito do Plano Sectorial da Rede Natura 2000”, e que na altura já assumia padecer de alguma desactualização. Uma opção que resultará de problemas relacionados com um concurso lançado pelo ICNF para a realização de uma nova cartografia dos habitats, que teve vários problemas e terá de ser refeito. Mas, se não havia condições, sustenta o ambientalista, devia ter-se esperado. “Temos de ter esta cartografia. Estes planos não são minimamente credíveis para nós e isso reflecte-se nas medidas extremamente vagas ali referidas. O que é que quer dizer ‘recuperar o perfil do cordão durar’? Não é nada, é vago. ‘Aumentar o habitat em 10%’, mas se nem sabemos qual é a área de que estamos a falar”. Os planos têm de detalhar, não se podem ficar por medidas genéricas. É preciso dizer que medidas concretas serão implementadas, se vai haver contratualização com proprietários, se o Estado vai adquirir terrenos, se vai haver vedações, se vai retirar os chorões... São planos para gerir, é preciso ter uma componente financeira associada e nem isso tem”, afirma Paulo Lucas.

A Zero considera, por isso, que os planos em cima da mesa são “pouco credíveis” a avisam que eles podem ser insuficientes para apaziguar a Comissão Europeia, que continua atenta ao processo, depois de a própria associação ter apresentado uma queixa, em Maio, relacionada com a alegada insuficiência do decreto regulamentar. Num resposta enviada à associação, a Comissão Europeia garantiu que está a “examinar as informações” enviadas pelo país e que se considerar que elas não são suficientes para cumprir a protecção das ZEC, pode intentar nova acção contra Portugal. Com o consequente risco de sanções pecuniárias que poderão rondar “os 30 mil euros por dia”, avisa a Zero.