Um ano de cão corresponde a sete “anos de humano”? A fórmula não é bem assim

A relação não é tão linear como multiplicar por sete, dizem os cientistas que recorreram à epidemiologia para encontrar uma fórmula matemática mais precisa para comparar “anos de cão” com “anos de humano”.

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Shawn Pang/Unsplash

Da próxima vez que ouvires alguém dizer a idade do cão “em anos humanos”, podes interromper o discurso apaixonado para lhe dizer que, na verdade, a multiplicação não é assim tão linear. Cada ano na vida de um cão não equivale a sete anos humanos, mostra um estudo na publicação científica Cell Systems, revista por pares.

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Da próxima vez que ouvires alguém dizer a idade do cão “em anos humanos”, podes interromper o discurso apaixonado para lhe dizer que, na verdade, a multiplicação não é assim tão linear. Cada ano na vida de um cão não equivale a sete anos humanos, mostra um estudo na publicação científica Cell Systems, revista por pares.

Um cachorrinho que acaba de completar um ano tem 30 “em anos humanos”, escrevem os investigadores da Escola de Medicina de San Diego, da Universidade da Califórnia (por agora, o estudo apenas foi feito em 104 labrador retriever, pelo que é necessário estendê-lo a outras raças, antes de corrigires alguém). Para chegarem à conclusão que os cães jovens podem ser “mais velhos” do que pensávamos, e desmontar um dos mitos mais persistentes, a equipa liderada por Tina Wang e Trey Ideker focou-se em mudanças epigenéticas no ADN. Estas são modificações que não alteram a sequência do ADN, mas que podem alterar o funcionamento dos genes. Um exemplo: a ciência explica hoje as diferenças de cor da pele como mudanças epigenéticas (mudanças na forma de funcionamento dos genes) relacionadas com o clima.

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A autora principal do estudo, Tina Wang, com o marido e Belli, o cão que inspirou a investigação. DR

Para este estudo, os cientistas compararam a forma como moléculas, chamadas grupos químicos metil, se acumulavam em áreas semelhantes dos genomas de humanos e cães, à medida que envelhecem. Apenas foram analisadas informações genéticas de 100 labrador retriever, desde cachorrinhos a animais seniores (16 anos de diferença). Mas os cientistas sentem-se confiantes para contrariar a sabedoria popular e afirmar que um cachorro de um ano não tem “sete anos humanos”. Isto porque os labradores mostram uma acumulação de grupos químicos de metil muito mais rápida do que a que os investigadores registaram em genomas de humanos com um ano.

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A fórmula mais científica de estabelecer comparações "em anos de humano". Imagem retirada do estudo na Cell Systems

A investigação pode ser uma ferramenta útil para veterinários e para perceber se produtos anti-envelhecimento funcionam, nota a universidade em comunicado

Com um gráfico em que comparam o envelhecimento de um labrador com o passar de anos de Tom Hanks, os cientistas estabelecem que um cachorro de um ano teria uma “idade humana” de 30 anos. Aos quatro anos, teria 54 em “anos humanos” (idade em que o actor foi avô pela primeira). E, aos 14, segundo a fórmula matemática que a equipa criou, estaria pronto para a reforma.

Esta relação não-linear entre anos de cão e de humano ajuda a marcar pontos importantes do envelhecimento dos dois mamíferos. Embora estas ligações sejam mais aproximadas nos marcos na adolescência e meia-idade, notam, continuam a ser mais precisas do que a ideia de que os cães envelhecem a um ritmo linear sete vezes mais rápido do que os humanos.

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O epigenoma (que descreve as modificações do genoma que não afectam a sequência do ADN, mas determinam se os genes são ligados ou desligados quando são precisos) “traduziu sete semanas de cão para nove meses humanos”: a fase de desenvolvimento dos dentes. “Em seniores, a esperança média de vida dos labrador retrievers, 12 anos, traduziu-se correctamente para a esperança média de vida dos humanos, 70 anos”, escreveu a equipa. “Eu tenho uma cadela de seis anos. Ela corre comigo, mas agora percebi que ela não é tão jovem como pensava”, disse Ideker, que começou a olhar para o seu animal de companhia de forma diferente, depois do estudo.

Para contornar a limitação de terem estudado apenas uma raça de cão, quando há raças com esperanças de vida diferentes, os investigadores vão “testar outras raças, determinar se os resultados se mantêm usando amostras de saliva, e testar ratos para ver o que acontece aos seus marcadores epigenéticos quando tentamos prolongar a vida delas com uma variedade de intervenções”.