“Se as nossas condições não forem aceites, não há intervenção pública [na TAP]”

O ministro das Infra-estruturas, Pedro Nuno Santos, diz que a acção do Estado na transportadora aérea se divide em dois momentos. O primeiro implica uma intervenção de emergência para providenciar liquidez com controlo, e o segundo remete para reforço de capitais e definição da relação societária.

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LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

“Não podemos excluir nenhum cenário, inclusivamente o da insolvência [da TAP]”, “já nem digo o da nacionalização”, afirmou esta terça-feira no Parlamento o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos.

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“Não podemos excluir nenhum cenário, inclusivamente o da insolvência [da TAP]”, “já nem digo o da nacionalização”, afirmou esta terça-feira no Parlamento o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos.

Referindo estar na Assembleia da República “a representar o Estado soberano, não o accionista Estado”, dono de 50% (o consórcio privado de David Neeleman e Humberto Pedrosa tem 45%, e outros 5% estão com trabalhadores), sublinhou: “Se as nossas condições não forem aceites, não há intervenção pública [na transportadora aérea]”. “Não excluímos nada”, reiterou o ministro.

O tom do ministro foi mais moderado do que em ocasiões anteriores, mas incluiu agora a palavra insolvência como sendo um cenário em cima da mesa, e, mesmo que tal sirva para esgrimir como hipótese de último recurso nas negociações em curso com a administração executiva e com os privados, mostra bem o grau de discórdia entre as partes.

Em resposta aos deputados, Pedro Nuno Santos afirmou ainda que será preciso definir “algum tipo de controlo” sobre o destino do dinheiro a aplicar, remetendo a acção para “dois momentos” distintos.

Um, primeiro, com uma intervenção que garanta liquidez, algo de que a empresa precisa com “urgência”. Depois, um segundo momento, onde se remete para a ideia de reforço de capital, com “um plano de restruturação, estratégico”, e que “demorará mais tempo”.

Processo está no início

“Os próximos meses, os próximos tempos, à frente desta intervenção que faremos desde logo de emergência, também vão ser muito importantes para aquilo que vai ser a relação societária e o acordo parassocial”.

“Nós só estamos no início do processo”, sublinhou, acrescentando que “não está afastada a hipótese” de ter uma presença na comissão executiva. Não se sabe também se os privados vão ou não aplicar mais dinheiro na transportadora, em linha com o Estado. “Mesmo que não se altere, de início, a estrutura societária”, disse o ministro, qualquer que seja a intervenção “vai ter de exigir um controlo apertado” à gestão de caixa e da frota, “até pelos pagamentos às empresas de leasing”, adiantou.

Esse controlo da forma como será usado o dinheiro de apoio à tesouraria terá “um determinado figurino” que “ainda não está fechado”.

O ministro referiu ainda que “algumas cláusulas do acordo parassocial têm de ser suspensas” para que haja lugar ao apoio estatal, dando depois como exemplo as que invocam os motivos que justificam a saída do capital da empresa.

De acordo com o ministro, a dívida financeira líquida da TAP é da cerca de 1000 milhões de euros, a que se juntam mais 2,3 mil milhões de euros em contratos de leasing dos aviões. No horizonte pode estar também um redimensionamento do grupo.

O ministro adiantou que uma hipótese em análise passa por converter créditos em capital por parte dos accionistas. Neste momento, o Estado, por via da Parpública, tem 30 milhões de euros em obrigações convertíveis em acções (que pagam juros), e outros 90 milhões de euros estão com a transportadora aérea brasileira Azul, ligada a David Neeleman.

Por saber  –  e vários deputados perguntaram – está o valor de que a TAP necessita, tal como se desconhece quanto é que está a perder por cada semana que passa com a frota em terra – tema que não foi abordado. E se Pedro Nuno Santos falou em “centenas largas de milhões de euros”, acrescentando que as contas ainda não estavam feitas, também não deixou, apesar de usar a palavra “insolvência”, de sublinhar que é preciso ter em conta “o prejuízo para o país que seria deixar cair a empresa”.

Timing será “aquele que o Estado entender”

Por parte do CDS, que requereu a presença do ministro, o deputado João Gonçalves Pereira, que já tivera uma troca de argumentos com Pedro Nuno Santos na sua audição anterior, questionou o tempo decorrido entre a resposta do executivo e o pedido de apoio da TAP – cerca de dois meses – e o que é que o Governo tem feito para resolver a situação.

Em resposta, e numa nova troca de “galhardetes” entre o deputado do CDS e o ministro – que começou a audição a afirmar que não queria passar a ideia de arrogante que terá ficado da audição anterior –, Pedro Nuno Santos destacou que o CDS “não está a defender o interesse público mas apenas o interesse do accionista privado”. O Estado português, diz, já começou as negociações com a Comissão Europeia “para encontrar a melhor solução” mas o timing será “aquele que o Estado entender”.

O CDS tem-se mostrado crítico de uma intervenção pública na TAP que vá além de garantias do Estado enquanto o PCP, do lado oposto, clama pelo controlo. Numa resposta ao deputado Bruno Dias, Pedro Nuno Santos disse que o executivo tinha “uma estratégia diferente” em relação ao PCP: “Queremos ser cautelosos e razoáveis nas exigências feitas para que nos possamos entender sobre a intervenção e forma de controlo”, afirmou.

Para as negociações, que envolvem a comissão executiva liderada por Antonoaldo Neves (e nomeada pelos privados), foi constituído um grupo de trabalho, onde, além da presença de responsáveis dos ministérios das Finanças e das Infra-estruturas, estão quadros do escritório de advogados Vieira de Almeida (assessoria jurídica ao Estado) e da Deloitte (assessoria financeira).

O grupo é liderado por João Nuno Mendes, ex-presidente da Águas de Portugal. Antigo secretário de Estado do Planeamento do governo socialista de António Guterres, João Nuno Mendes saiu recentemente da empresa estatal depois de ter sido nomeado para o cargo pelo ministro do Ambiente, Matos Fernandes, em 2016.

Os vales ou o dinheiro

Questionado sobre a questão dos vouchers que estão a emitidos pela TAP, sem dar grandes possibilidades aos passageiros de receberem reembolsos em dinheiro, o ministro adiantou que isso terá de ser avaliado no quadro da intervenção que se prevê que venha a ser feita pelo Estado.

A estratégia da empresa tem ajudado a provocar menos danos na tesouraria, e fonte oficial da TAP já defendeu em declarações ao PÚBLICO que esta é uma prática que está a ser seguida por outras empresas e que “nenhuma tesouraria, de nenhuma companhia, sobreviveria a ter de reembolsar em dinheiro”.

A substituição de dinheiro por vales foi aliás um dos pedidos de apoio feitos pela gestão da empresa que ficou sem resposta, até agora, por parte do Governo.

Esta “não é matéria encerrada”, garantiu esta terça-feira o ministro, mas acrescentando depois que, se por um lado percebe “as exigências dos clientes”, por outro lado “a verdade é que sem TAP não há nem vouchers nem reembolsos”.

A audição de hoje do ministro, que tem a tutela do sector da aviação civil, surge na sequência de um requerimento do CDS sobre o pedido de ajuda feito pela comissão executiva da TAP junto do Governo, e qual a estratégia do executivo para a transportadora. A ida de Pedro Nuno Santos tem lugar cerca de duas semanas após uma outra audição parlamentar em que o tema da TAP foi um dos que mereceram destaque.

“Estaremos sempre a falar de uma intervenção de elevadíssima dimensão, o que quer dizer que o modelo a que chegarmos tem de ser muito bem maturado, de acordo com os interesses do Estado soberano, e do país, e não dos interesses accionistas de uma empresa que, se não for intervencionada, acabará por falir”, disse na altura o ministro.

“Ou o accionista privado está disponível para acompanhar o Estado no esforço que é preciso fazer, ou não pode pedir ao senhor Estado que lhe dê uma empresa [que] já não tem capacidade de manter”, destacou então Pedro Nuno Santos.