Conto escrito ao domingo, e ainda de pijama

A Dulce é boa pessoa, vê-se na sintaxe. A Dulce é meiga, a escolha inconsciente do vocabulário não deixa dúvidas. A Dulce é inteligente, confirma-se no corpo de texto eximiamente engomado como camisas de linho (o tecido que resiste ao calor do ferro).

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Molly Belle/Unsplash

Hoje conto contar-vos (perdoem a redundância) algo bom. As coisas más calculo que já abundem por aí; basta estar vivo para se estar sujeito a levar porrada. Quem nunca deu ou levou nas trombas que atire a primeira pedra. Mas se há abundância de violência na proporção de calhaus nas pedreiras, há também carinho a precipitar-se e, por vezes, a pingar dos sítios mais inesperados. Pois bem, é disto que vos vou falar.

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Hoje conto contar-vos (perdoem a redundância) algo bom. As coisas más calculo que já abundem por aí; basta estar vivo para se estar sujeito a levar porrada. Quem nunca deu ou levou nas trombas que atire a primeira pedra. Mas se há abundância de violência na proporção de calhaus nas pedreiras, há também carinho a precipitar-se e, por vezes, a pingar dos sítios mais inesperados. Pois bem, é disto que vos vou falar.

Chamemos-lhe Dulce. Nunca conheci ninguém tão dulce como a Dulce (desculpem esta minha tendência domingueira para a redundância) e eu ainda nem a conheço. Trocamos cartas. Cartas digitais, é certo, ainda assim cartas, pequenas missivas ao jeito de páginas de diários. A Dulce pingou de uma imagem virtual, que logo passou a emoji de estrelas e a link de música e a dezenas, centenas de frases, sem intenção nenhuma que não seja a de comunicar.

A Dulce é boa pessoa, vê-se na sintaxe. A Dulce é meiga, a escolha inconsciente do vocabulário não deixa dúvidas. A Dulce é inteligente, confirma-se no corpo de texto eximiamente engomado como camisas de linho (o tecido que resiste ao calor do ferro). E é expedita e alegre, já para não dizer que é bela como um raio de sol a entrar pela janela exígua da cave. A Dulce, nas páginas do diário, está próxima da perfeição porque é mais literatura do que gente. Ainda não tem cheiro nem dias maus, não ressona nem falha algo importante. Ainda é só uma folha digital com letras, sem voz audível, que parece uma pessoa mas ainda não é.

No entanto, o que mais intriga é que a Dulce, mesmo não estando na minha casa, consegue arrancar sorrisos e gargalhadas e dar carinho como ninguém. A Dulce só escreve frases que nasceram para o amor, e não é piegas ou condescendente; simplesmente sai-lhe naturalmente — perdoem-me, é a última redundância do texto, prometo — ser naturalmente boa. Começo a perceber que não há nada maior do que receber o bem, aceitar que o merecemos. Mesmo que estejamos ainda de pijama ao domingo, havemos de estar convenientemente prontos para um vestido novo, para uma segunda-feira, que é como quem diz: para o início de algo bom.