Carta aberta aos meus amigos (e aos teus também)

Quando toda a gente se multiplica em ligações, eu sinto-me desligado. Desculpem a minha ausência, mas não sei estar presente. O que dói não é deixar de vos ver, é não saber quando vos vou voltar a ver. E é por isso que fico longe.

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Rodion Kutsaev/Unsplash

Escrever uma carta não é moderno, é vintage. Já não se escrevem cartas de amor, mas, ao contrário das cartas, o amor não morreu. A carta é para os meus amigos, mas também pode ser para os teus. Vai aberta, para a segurança de todos. Em tempos de coronavírus não se lambem cartas, também a língua fica em casa.

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Escrever uma carta não é moderno, é vintage. Já não se escrevem cartas de amor, mas, ao contrário das cartas, o amor não morreu. A carta é para os meus amigos, mas também pode ser para os teus. Vai aberta, para a segurança de todos. Em tempos de coronavírus não se lambem cartas, também a língua fica em casa.

“Olá! Desculpem a minha ausência, mas não sei estar presente. Estar em casa, fechado, não é novidade para mim. Já o fiz por razões de saúde e sinto-me estranhamente confortável. Sou muito agarrado a vocês, mas não me sei agarrar à tecnologia porque, mesmo estando em casa, recebia as vossas visitas. E agora que não nos podemos visitar?

Uma das muitas coisas sobre as quais esta quarentena me fez reflectir foi que as nossas amizades vivem de contacto, de conversa, de presença, de olhar. Vivemos uma adolescência de telemóvel na mão, em constante conversação, e hoje não sei o que mais falar. Utilizamos o WhatsApp, o Instagram e o Facebook para pequenas conversas, partilhas inconsequentes e pouco mais. Utilizamos as redes para combinar a próxima vez que nos vamos encontrar. Este é o nosso hábito e é por isso que não sei mais do que falar.

Sei que, com todos vocês, um café e uma esplanada não têm horário para tanta conversa, mas nas redes parece que falamos línguas diferentes. Quando toda a gente se multiplica em ligações, eu sinto-me desligado. Desculpem a minha ausência, mas não sei estar presente. O que dói não é deixar de vos ver, é não saber quando vos vou voltar a ver. E é por isso que fico longe. Longe dos olhos, longe do coração, não é?

Peço desculpa por demorar e por me esquecer, não é falta de amor, é excesso. Um beijinho e até ao próximo café.”

Hoje, ninguém está longe nem perto. Tenho um primo na Suíça que está tão perto de mim como os meus amigos de Lisboa. Estamos todos à distância de uma mensagem. Contudo, nunca me senti tão distante. E não é assim que estamos todos, demasiado distantes?

Eu sei que estamos sempre muito próximos em lives e festivais no Instagram, a ver o que fazemos nos stories, enquanto fazemos mais uma videochamada no WhatsApp. Temos tantas aplicações para conversar que é estranho não o fazermos tanto. Falo por mim, apenas, porque me defendo com actividades caseiras para passar o tempo. E quanto mais depressa passar o tempo, mais depressa nos voltamos a ver. As videochamadas fazem o tempo parar, quando o que eu quero é ver o tempo a correr.

“Vou sair agora. Estou a chegar. Desce. Cinco minutos e estou aí. Também vens? A que horas chegas? O último a chegar paga a próxima rodada.” É destas conversas que eu mais tenho saudades. E, enquanto espero, vou bebendo as rodadas sozinho.

Sou saudavelmente dependente dos meus amigos. Preciso deles como as flores precisam de sol. Também florescem com uma lâmpada, mas não é tão natural. A única pergunta é: depois disto tudo, e se ganharem o Euromilhões, o vosso sonho ainda é fugir para uma ilha deserta?