Portugueses retidos no estrangeiro: “É como se nos estivessem a tirar o chão”

Há portugueses que queriam regressar a Portugal, mas acabaram por ficar retidos, sem voos, em países europeus e também nas Filipinas, Marrocos, México e Argentina. O ministro dos Negócios Estrangeiros pede que se evitem “deslocações não essenciais”.

Fotogaleria

O surto do novo coronavírus está a fazer com que portugueses que tinham viagens marcadas para regressar a Portugal vejam os seus voos cancelados — e a incerteza instala-se com o passar dos dias. Nos aeroportos de Portugal, havia dezenas de voos com chegada prevista para esta terça-feira cancelados por decisão das transportadoras aéreas.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O surto do novo coronavírus está a fazer com que portugueses que tinham viagens marcadas para regressar a Portugal vejam os seus voos cancelados — e a incerteza instala-se com o passar dos dias. Nos aeroportos de Portugal, havia dezenas de voos com chegada prevista para esta terça-feira cancelados por decisão das transportadoras aéreas.

A portuguesa Sara Guimarães Silva, de 31 anos, é uma das afectadas. Mora na Suíça com o marido e dois filhos e tinha tudo pronto para regressar de vez a Portugal. Enfermeira de profissão, despediu-se do seu trabalho e entregou a casa onde moravam, onde a família só pode permanecer até ao final do mês. Já teve pelo menos dois voos cancelados a partir do aeroporto de Genebra: um primeiro marcado para esta terça-feira e o que remarcou depois desse, para esta quarta-feira. “Para tentar melhorar as probabilidades, comprei voos em duas companhias diferentes, TAP e easyJet. Mas penso que vai ser anulado, estão a cancelar tudo”, conta por telefone ao PÚBLICO, dizendo que já gastou mais de mil euros nestes voos. “É horrível, vês o tempo a passar e é como se nos estivessem a tirar o chão.”

Tem vivido os seus dias na dúvida de como conseguirá regressar e as respostas escasseiam. “Tentei ligar 200 vezes para o Consulado de Genebra, sem exagero”, refere. Enviou email e não teve resposta. Falou com o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) há dois dias, que reencaminhou as questões para o Consulado. Das companhias aéreas também não chegam respostas. “Na quinta e na sexta-feira está tudo cancelado. Remarquei para sábado na esperança de que não seja anulada, mas a probabilidade é baixa”, explica a portuguesa que trabalha há sete anos perto de Lausanne, na Suíça. “A verdade é que só quer sair do país quem precisa mesmo.” Nesta quarta-feira, Sara conseguiu entrar em contacto com o Consulado, que diz não poder emitir qualquer tipo de autorização e não ter informação sobre repatriamento. “Pedem-nos para prolongar o contrato da casa, mas é impossível”, conta.

A última hipótese, diz, é regressar de carro. “Mas temos um bebé de sete meses, uma menina de dois anos e uma gata, não é fácil passar 19 horas num carro. E isto se nos derem autorização, podemos chegar a uma fronteira e não nos deixarem passar”, lamenta.

Nesta terça-feira, havia já grupos de pessoas retidas nas fronteiras entre Portugal e Espanha. Há também um grupo de portugueses retido nas Filipinas, “aflitos” e “desesperados”, sem conseguirem regressar a Portugal por causa dos voos cancelados. E ainda portugueses retidos na Argentina, México e Marrocos, com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, a pedir às agências de viagem que não “abandonem” os turistas.

À Lusa, o ministro pediu aos portugueses que evitem fazer deslocações “não essenciais ao estrangeiro”. “Não é possível ir buscar toda a gente a todo o lado e é preciso termos consciência disto. Isto implica comportamentos cívicos da nossa parte”, afirmou. O MNE diz ainda que tem contactado todos os estudantes Erasmus portugueses para que seja organizado o retorno a Portugal devido à pandemia. Em alguns casos, tem sido já assegurada a viagem de regresso: nesta terça-feira eram esperados em Lisboa 140 estudantes portugueses provenientes da Polónia.

No site da ANA – Aeroportos de Portugal, é possível ver que alguns dos voos previstos para esta terça-feira foram cancelados: no Porto, são pelo menos 26 voos cancelados nesta terça-feira, vindos de França, Dubai, Suíça, Reino Unido e cidades espanholas; em Lisboa, são pelo menos 13 voos, vindos sobretudo de cidades espanholas, mas também Bordéus ou Zurique. Para quarta-feira há já 12 voos cancelados que tinham chegada prevista para Lisboa e 11 voos cancelados no Porto. Em Faro e na Madeira também há voos cancelados, mas menos. No site, a ANA pede a “todos os passageiros cujos voos tenham sido cancelados que contactem as respectivas companhias aéreas, por telefone ou meios online, e que não viajem para o aeroporto para evitar multidões no terminal”. E que sigam as recomendações da Direcção-Geral de Saúde.

Também Luís Sobrado, de 22 anos, ficou com as voltas trocadas depois de o seu voo ter sido cancelado. Mora e trabalha em Liverpool e tinha decidido que no Verão regressaria de vez a Portugal. Com a pandemia de covid-19, decidiu antecipar os planos. “Foi uma das decisões mais difíceis que já tive de tomar”, confessa, mas regressar ao país não está a ser tarefa fácil. O voo que tinha na segunda-feira foi cancelado quando já se preparava para sair de casa: “Não recebi qualquer mensagem, foi mera casualidade ter visto.” Comprou dois outros voos de regresso para tentar aumentar as suas hipóteses: um para quarta-feira, outro para sexta. Embrenhado na incerteza, não sabia se conseguiria regressar; nesta quarta-feira, contou ao PÚBLICO que conseguiu apanhar um dos voos e voltar a pisar território português. No dia anterior, temia um cenário diferente: “Corro o risco de poder ficar aqui semanas à espera de um voo.” 

Luís Sobrado tem também receio pela actuação do Reino Unido frente ao novo coronavírus e diz que o país está a ser “completamente irresponsável”: “Continua tudo com uma normalidade absoluta. Ao olhar aqui da minha janela, parece um dia completamente normal, os transportes públicos continuam cheios, os bares continuam abertos e isso deixa-nos assustados. Se é para termos de ficar de quarentena três meses ou quatro, que o possa fazer perto da minha família”, diz.

Artigo actualizado às 16h37 de 18 de Março: Luís Sobrado conseguiu regressar a Portugal, Sara Guimarães Silva continua retida na Suíça, sem informações sobre repatriamento.