Principais Ligas geram 62 milhões de euros de bilheteira por jornada

Com a suspensão dos campeonatos de futebol provocada pela covid-19, ficam, pelo menos, congeladas as receitas dos ingressos e os proveitos associados aos dias de jogo. Um problema ultrapassável para os clubes de topo, uma ameaça à sobrevivência para muitos emblemas modestos.

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LUSA/NEIL HALL

Os danos financeiros infligidos pela covid-19 no futebol, num contexto em que a saúde pública está em risco, serão sempre uma questão meramente secundária, mas este pode ser também um momento para avaliar o actual volume de receitas arrecadadas pelos clubes das principais Ligas em dias de jogo. Olhando para o item matchday revenue dos Big 5, e juntando-lhe o campeonato português, as perdas estimadas por jornada durante este período de interregno superam os 62 milhões de euros. Só em bilheteira.

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Os danos financeiros infligidos pela covid-19 no futebol, num contexto em que a saúde pública está em risco, serão sempre uma questão meramente secundária, mas este pode ser também um momento para avaliar o actual volume de receitas arrecadadas pelos clubes das principais Ligas em dias de jogo. Olhando para o item matchday revenue dos Big 5, e juntando-lhe o campeonato português, as perdas estimadas por jornada durante este período de interregno superam os 62 milhões de euros. Só em bilheteira.

Por estes dias, levantam-se questões até agora desconhecidas no universo do futebol. E há inclusive clubes, de escalões inferiores, a porem em causa a sua própria sobrevivência por força da privação de receitas que, ao contrário do que acontece entre a elite, representam uma fatia muito significativa do bolo orçamental. Seja qual for o regime adoptado: suspensão ou realização de partidas à porta fechada.

“Isto vai acabar com alguns clubes, é muito simples”, avisa Anthony Johnson, treinador do Chester FC, emblema do sexto escalão do futebol britânico. “Não estou a exagerar, teremos zero de cash-flow em clubes que dependem dos adeptos pagantes. Jogando à porta fechada, teremos zero de receitas de bilheteira; adiando os jogos, os clubes continuam a ter de pagar salários sem terem liquidez”, contextualiza no Twitter, sem pôr em causa que a prioridade absoluta seja a saúde dos cidadãos.

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O cenário é, de facto, bem mais problemático na cauda da hierarquia, já que nas primeiras divisões as receitas de dia de jogo representam uma fatia que oscila apenas entre os 12% e os 17% do total nas Ligas mais importantes da Europa (em Portugal, ronda os 13,5%). O grosso do orçamento depende da venda dos direitos televisivos, naturalmente, e dos proveitos comerciais e contratos de patrocínio.

Ainda assim, em campeonatos como a Premier League, a Bundesliga ou a Liga espanhola, cada fim-de-semana traduz-se num encaixe acima dos dois dígitos. De acordo com o Deloitte Anual Review of Football Finance de 2017-18 (o mais recente relatório disponível), em Inglaterra as vendas de bilhetes por jornada geraram 19,9 milhões de euros, mais de cinco milhões acima dos valores registados na Alemanha (14,6M) e em Espanha (13,4M). A Série A ficou abaixo da fasquia dos sete milhões (6,8), em França embolsaram-se cinco e em Portugal 1,7 milhões.

Benfica embolsa menos de um sexto valor do Barcelona

Em bom rigor, estes montantes pecarão sempre por defeito. Primeiro porque os valores praticados nos dias de hoje dispararam - embora não haja uma recolha de dados combinada, há números avulsos que apontam para 28 milhões de euros por jornada na Premier League na presente época e para 15 milhões na Bundesliga. Depois porque só é medido o impacto da venda de ingressos, ignorando as receitas decorrentes do merchandising e do consumo alimentar associados a cada evento desportivo.

Entre os gigantes europeus, como o Barcelona, um só jogo em Camp Nou gera, em média, 5,8 milhões de euros. Um valor astronómico, que, segundo o European Champions Report relativo a 2018-19, bate por larga margem os demais campeões dessa época: o Paris Saint-Germain arrecadou 4,3 milhões de euros, o Bayern Munique 4,2, a Juventus 2,9 e o Manchester City 2,2. Só para estabelecermos uma ponte com a realidade portuguesa, o Benfica ficou-se pelos 880 mil euros – e o FC Porto, na temporada anterior, rondou os 500 mil.

Do ponto de vista estritamente financeiro, a opção pela suspensão em detrimento da manutenção das competições sem público nos estádios acaba por ser potencialmente menos ruinosa. Isto no pressuposto de que os jogos em apreço irão mesmo realizar-se, em contexto de normalidade, numa data posterior. Senão vejamos este exemplo: caso tivessem avançado os encontros à porta fechada até 3 de Abril, em Itália, os clubes da Série A acumulariam, ao longo dessas 32 partidas, 28,6 milhões de euros de perdas em receitas de bilheteira.

No pior dos cenários, o do cancelamento definitivo dos jogos, levanta-se toda uma outra discussão em torno das cláusulas dos contratos comerciais e de patrocínio estabelecidos entre as marcas e os clubes. Em sua defesa, as instituições desportivas poderão, em muitos casos, procurar agarrar-se ao conceito jurídico de “força maior” (se estiver previsto nos acordos), que no fundo isenta as partes de cumprirem as obrigações na eventualidade de ocorrer um evento específico que esteja fora do seu controlo. 

As dificuldades mais prementes, porém, colocar-se-ão sempre aos clubes com menos recursos, para os quais o conforto proporcionado pelo “jackpot” dos direitos televisivos é uma simples miragem. “Estimo que cada clube da League One ou da League Two [terceiro e quarto escalões em Inglaterra] precise, em média, de um empréstimo de 300 ou 400 mil libras [445 mil euros] para atravessar esta fase.” Previsão que será revista em alta caso a suspensão se estenda para lá de 4 de Abril.