No topo do mundo (e na base da pirâmide social), elas são escravas do ouro

As reservas de ouro da mina de La Rinconada, no Peru, estão a esgotar-se. Mulheres como Eva Chura, que procuram ouro no entulho que os homens descartam da mina, ficam apenas com os restos esquecidos nas pedras. A Reuters dá a conhecer o seu quotidiano.

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No interior da sua cabana de zinco, a mais de 5000 metros de altitude, Eva Chura acaba de amamentar o seu filho mais novo, Alizon, e prepara-se para mais um dia de trabalho no exterior da mina de ouro de Chupa, em La Rinconcada, no Peru. No povoado, onde residem cerca de 50 mil pessoas, há lixo espalhado pelas ruas e o cheiro que dele emana é fétido. Mas Chura já se acostumou. “Dantes era muito pior”, garante à Reuters. O cheiro era mais intenso. Não há sistema de saneamento básico ou de recolha de lixo. “Já me convenci que tenho de viver assim. As crianças dão-nos força e coragem para trabalhar.” E é isso que faz para poder continuar a alimentar, sem a ajuda do marido, os cinco filhos e as outras três crianças que tem a seu cargo.

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A distância que separa a casa de Eva Chura do seu local de trabalho é percorrida, a pé, no espaço de uma hora. Ao chegar, a pallaquera — nome pelo qual são conhecidas as mulheres garimpeiras da região – masca folhas de coca, acende dois cigarros e bebe um pouco de licor de anis “para dar sorte”. A sorte é um elemento fundamental neste ofício. “Por vezes encontramos ouro, outras vezes não. De momento, há pouco.”

Apesar de existir uma mina subterrânea, a sua exploração não está ao alcance das mulheres que se dedicam à extracção de ouro. São os homens que as impedem de procurar ouro no interior. Dizem que a montanha, que fica por baixo do glaciar Bela Dormiente – a Bela Adormecida –​​, é um espírito feminino e que “ficaria zangada, teria ciúmes”, se as mulheres fossem roubar as suas riquezas. Assim, elas limitam-se a procurar ouro no entulho que eles descartam, ficando apenas com os restos esquecidos que decorrem da verdadeira mineração. Elas viram e reviram as pedras, na esperança de colectar ouro que possam vender no mercado negro, na via principal de La Rinconada, a cidade mais próxima.

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Devido à escassez de ouro, a criminalidade tem aumentado no seio da comunidade. Nacho Doce | Reuters

“Por vezes, numa semana, consigo entre um a dois gramas de ouro”, disse Chura. “Se tiver sorte, consigo 20 gramas, mas tudo depende da sorte.” Hoje, Chura e outros mineiros da região dizem que as reservas de ouro estão a esgotar-se. “É por isso que, ultimamente, têm acontecido coisas tão más”, lamenta a pallaquera. Nos corredores da mina, alguns trabalhadores têm sido assassinados, algumas mulheres têm sido forçadas à prostituição. O conflito intensifica-se, levantam-se ondas de protesto que fazem abanar os alicerces da estrutura socio-económica daquele grupo. Por haver menos ouro, “os homens bebem muito mais”, alarma Chura. “Passam mais tempo nos bares do que a trabalhar.” E quando a polícia visita, ameaça os trabalhadores com dinamite.

A cereja no topo da Bela Adormecida é o problema ambiental que decorre da mineração e que assola o maior lago da América do Sul. O mercúrio, utilizado pelos mineiros para separar o ouro da rocha, infiltra-se na terra e esvai-se nos cursos de água que escoam no Lago Titicaca, que é, por isso, considerado por várias organizações não-governamentais como “um dos mais ameaçados do mundo”. O mercúrio deteriora, assim, uma fonte de água potável e um ecossistema rico em peixe que serve de alimento a quem vive nas margens do grande lago.