Quique Setién cumpre o seu destino em Camp Nou

Aos 61 anos, o treinador da Cantábria, sem grande currículo, chega ao clube que sempre lhe pareceu destinado, o Barcelona.

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Reuters/ALBERT GEA

Não tem grande currículo, mas tem o DNA. Nunca treinou “estrelas”, mas não tem medo delas. Estava desempregado, mas era a escolha natural. Ele é Quique Setién, o treinador que parecia destinado a treinar o Barcelona, o admirador de Johan Cruyff que, aos 61 anos, cumpre o seu destino. Foi ele o escolhido para suceder a Ernesto Valverde, o tarefeiro que nunca pareceu confortável no banco dos “blaugrana” apesar de ter sido duas vezes campeão espanhol em duas épocas e meia e de deixar o Barça em primeiro na Liga. A Setién não basta ganhar. É preciso jogar bem, tal como Cruyff ensinou. Senão, aborrece-se.

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Não tem grande currículo, mas tem o DNA. Nunca treinou “estrelas”, mas não tem medo delas. Estava desempregado, mas era a escolha natural. Ele é Quique Setién, o treinador que parecia destinado a treinar o Barcelona, o admirador de Johan Cruyff que, aos 61 anos, cumpre o seu destino. Foi ele o escolhido para suceder a Ernesto Valverde, o tarefeiro que nunca pareceu confortável no banco dos “blaugrana” apesar de ter sido duas vezes campeão espanhol em duas épocas e meia e de deixar o Barça em primeiro na Liga. A Setién não basta ganhar. É preciso jogar bem, tal como Cruyff ensinou. Senão, aborrece-se.

“No futebol, há uma componente de espectáculo e, no meu foro interno, desfruto não com o resultado, mas com o que o corpo me pede: jogar bem”, dizia Setién numa entrevista ao diário espanhol El País em Janeiro de 2018, uma altura em que o seu Betis de Sevilha fazia furor em “La Liga”. Na sua apresentação como técnico da equipa catalã, Setién disse algo de parecido. “Só posso garantir uma coisa: vamos jogar bem”, garantiu. Algo que nem sempre se viu com Valverde, mesmo tendo à sua disposição um craque de dimensão estratosférica como Lionel Messi.

Para Quique Setién, tudo gira à volta do objecto que gira na relva, a bola. “O jogador dará o melhor de si mesmo quando lhe dás o objecto que o fez querer ser futebolista: a bola. Ninguém joga no recreio para defender ou bascular. És futebolista porque gostas da bola, não é para correr atrás dela”, dizia na mesma entrevista ao El País. Este é um discurso colado ao que Cruyff pregava e não é por acaso que Setién o admira. Como jogador (era médio), sentia que se podia fazer mais, mas nunca tinha percebido como. Só depois de enfrentar o “Dream Team” conduzido pelo holandês é que viu a luz. “Quando estava em campo, sabia que se podia jogar melhor. Nunca soube como até defrontar as equipas de Cruyff. Vi o que sentia tomar forma.”

Era isto que o Barcelona procurava, mais um herdeiro de Cruyff. E o currículo carregado é opcional. Pep Guardiola, por exemplo, não tinha currículo como treinador e foi o que se viu. Segundo notícias que circularam na imprensa espanhola, Setién até nem seria a primeira opção — falou-se muito de oferecer a cadeira de sonho a Xavi Hernández, a dar os primeiros passos como treinador no Qatar, mas o antigo médio, que tem DNA “blaugrana”, terá recusado o convite. Mas “El Maestro”, como é conhecido Setién, também tem esse DNA, juntamente com a maturidade que os seus 61 anos lhe dá para lidar com uma equipa de “estrelas”. Messi levou elogios, mas também um aviso: “Falei com ele e com os outros para lhes dizer que uma coisa é a admiração que sinto por eles, outra é que cada um tem de estar no seu sítio.”

Da praia para Camp Nou

Enrique Setién Solar começou a sua carreira como treinador no mesmo sítio onde passou boa parte da sua vida como jogador, o Racing Santander, a equipa da sua cidade-natal. Depois de ter sido um médio com uma carreira de quase duas décadas, que o levou também ao Atlético Madrid e à selecção espanhola (três internacionalizações e a presença no Mundial do México em 1986, onde não saiu do banco), Setién começou a ser treinador em 2001 e, até chegar à Liga espanhola, teve alguns empregos estranhos. Foi, por exemplo, director-técnico da selecção russa de futebol de praia, uma disciplina que praticara durante algum tempo após deixar os relvados. Também foi seleccionador da Guiné-Equatorial durante um único jogo, cargo que abandonou por vontade própria.

Setién começou a dar nas vistas no Lugo, equipa da III divisão. Imediatamente conseguiu a promoção ao II escalão e ficou no clube galego até 2015, ano em que chegou à I divisão, cortesia do Las Palmas. Dois anos depois, mudou-se para a Andaluzia, para o Betis, e foi no Benito Villamarín que se viu a sua melhor criação (ou, como ele próprio dirá, a melhor recriação do que aprendeu a ver o “Dream Team” de Cruyff). O treinador levou tempo a implantar as suas ideias na cabeça dos jogadores. “Os laterais e extremos ficavam alucinados quando Quique lhes dizia que não era preciso cruzar para a área não havendo possibilidades de remate”, contava o jornalista Rafael Pineda.

Enquanto esteve nas boas graças dos ferozes adeptos béticos e da direcção do clube, Quique Setién maravilhou o futebol espanhol e conseguiu vitórias memoráveis frente aos “grandes” de Espanha – foi o único treinador a ganhar a Barcelona, Real Madrid e Atlético Madrid nos últimos cinco anos. Não ganhou títulos – o único titulo que tem é como jogador “colchonero”, uma Supertaça de Espanha em 1986 – mas nunca se afastou das ideias que “roubou” a Cruyff. A bola é a sua paixão e agora tem um dos mais apaixonantes jogadores de sempre: Messi.