Ampliar o futuro também é ciência

Construir um ADN que amplia possibilidades em laboratório e devolver a esperança no combate a doenças. Este também é um objectivo da Santa Casa, que tem um pé no futuro do conhecimento científico.

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Na lâmina de material recolhido com rigoroso cuidado, é cristalino, quase visível a olho nu, um percurso longo, marcado por pequenos passos, para concretizar, à escala microscópica, conquistas de gigantes.

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Na lâmina de material recolhido com rigoroso cuidado, é cristalino, quase visível a olho nu, um percurso longo, marcado por pequenos passos, para concretizar, à escala microscópica, conquistas de gigantes.

O ideal de ali começar a mudar o mundo como o conhecemos também fervilha entre tubos de ensaio e placas de Petri. Luísa Lopes veste a bata, a fundamental indumentária do pragmatismo, mas ousa sempre acreditar. “Gostamos de saber como o mundo funciona, e, claro que há um lado romântico de sonhar que mudaremos alguma coisa.”

Mesmo quando os obstáculos se interpõem a uma vontade totipotente, permanece algo no código genético dos investigadores que os impede de interromper a regeneração de pistas, que abrem caminho para os que se seguem na comunidade científica. “Os momentos em que encaixamos certas peças do puzzle são entusiasmantes, mas menos românticos do que o que as pessoas pensam. Temos de gostar muito do que fazemos”, admite a coordenadora de uma equipa de investigação no Instituto de Medicina Molecular, galardoada, em 2018, com o Prémio Mantero Belard no valor de 200 mil euros cada, atribuído pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML).

“A nossa proposta baseia-se na ideia de que o envelhecimento é o maior factor de risco para o Alzheimer, o que significa que há algo no envelhecimento que causa maior vulnerabilidade à doença. Numa situação já irreversível, há perda de neurónios. Por isso, tentamos estudar a fase mais precoce da doença”, explica a investigadora, que trabalha “todos os dias para que haja uma grande esperança” contra uma “doença que tem aumentado com o envelhecimento da população”.

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Luísa Lopes, vencedora do Prémio Mantero Belard 2018 D.R.

Na pista da longevidade e qualidade de vida

Estas são preocupações da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que atribui, desde 2013, dois prémios a investigações dedicadas a doenças neurodegenerativas e lesões vertebromedulares: o Prémio Melo e Castro e o Prémio Mantero Belard, ambos células estaminais de produção de conhecimento científico, na quantia de 200 mil euros, um “montante considerável dentro do panorama científico português”, como vinca a coordenadora da equipa distinguida em Novembro de 2018.​

“Estes investimentos são muito importantes, porque a investigação nesta área é muito dispendiosa, e porque é um investimento privado, o que também se torna muito relevante.” Luísa Lopes já arrancou com a primeira fase do projecto vencedor. Tem já no seu laboratório o vírus modificado da universidade parceira, em Nice, para modificar as proteínas tóxicas que, acumuladas, enriquecem o cocktail multifactorial da receita do Alzheimer. Para que a corrida contra o tempo fosse possível, contribui a celeridade da atribuição do galardão, como concretiza a cientista: “Desde que começou, há seis anos, é sempre na mesma altura, com uma gestão muito rápida e uma avaliação muito rápida, para que os cientistas possam começar projectos atempadamente.”

Arregaçar as mangas para fazer futuro

A acção pioneira da Santa Casa emergiu de um tronco forte de preocupação com as doenças que têm crescido e mudado as dinâmicas familiares. “A antecipação das necessidades da sociedade, e por consequência, do público ‘cliente’ da SCML, torna-se um passo não apenas opcionalmente favorável, mas sim fundamentalmente necessário”, salienta Rita Paiva Chaves, directora do Departamento de Qualidade e Inovação da SCML.

Na perspectiva da representante da Santa Casa, tal como um embrião que cresce e se multiplica em possibilidades, torna-se necessário olhar para o “conhecimento científico como dinâmico e não hermético, base fundamental para a definição de respostas e soluções, de forma atempada e eficaz”.

Luísa Lopes e Rita Paiva Chaves são uníssonas em destacar o “júri, constituído por representantes designados pelas sociedades médicas e universidades parceiras”, que confere um factor prestigiante” aos prémios. Estes financiamentos da Santa Casa, que se impõem não só como um serviço à comunidade científica, mas também como uma doação à sociedade que dos resultados fizer uso, estão ligados a iniciativas de sucesso, como a descoberta da origem do corpo da cobra. Em 2016, a Development Cell publicava, assim, as conclusões dos vencedores dois anos antes, liderados por Moisés Mallo numa incursão até ao gene que activa o desenvolvimento do tronco deste vertebrado.

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No entanto, há outros exemplos que trouxeram novas luzes em áreas em que havia ainda um grande obscurantismo e dificuldades de investigação. A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa continua a desenvolver a sua espinal medula forte ao associar-se a estudos ímpares sobre como eliminar os primeiros sintomas do Alzheimer em modelos animais – descoberta publicada na revista científica Nature Communications -, ou como avaliar o stress oxidativo e disfunção mitocondrial em modelos animais e doentes de Huntington, alterações cerebrais na doença do Alzheimer ou até mesmo sobre o efeito toxinogénico da microbiota intestinal na doença de Parkinson esporádica.

Apesar de a investigação em Portugal ser uma área onde os interruptores dificultam o sonho dos “românticos”, a Santa Casa quer ser um gene activo de expressão do espírito inquisitivo e curioso da sociedade. Entre o cansaço e o desânimo que a investigação por vezes potencia, a instituição quer assegurar longa vida à ciência que devolve anos a cada um de nós.

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