Recrutar, reter, reinserir

O debate público quanto ao número de militares que hoje servem nas Forças Armadas é uma excelente oportunidade para dar a conhecer aspetos desta complexa realidade e as soluções que estão a ser desenvolvidas.

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Na grande maioria dos países europeus, deparamo-nos com desafios análogos no recrutamento. LUSA/ANTÓNIO PEDRO SANTOS

Nada há de mais importante nas Forças Armadas do que os seus militares. Não é apenas o equipamento, mais ou menos sofisticado, que permite que desempenhem com sucesso as suas múltiplas missões. São sobretudo os homens e as mulheres que compõem o efetivo das Forças Armadas que nos dão essa confiança. É, por isso, a dimensão humana que temos de pôr em primeiro lugar.

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Nada há de mais importante nas Forças Armadas do que os seus militares. Não é apenas o equipamento, mais ou menos sofisticado, que permite que desempenhem com sucesso as suas múltiplas missões. São sobretudo os homens e as mulheres que compõem o efetivo das Forças Armadas que nos dão essa confiança. É, por isso, a dimensão humana que temos de pôr em primeiro lugar.

Vem isto a propósito de algum debate público quanto ao número de militares que hoje servem nas Forças Armadas. Não se trata de uma realidade nova. Pelo contrário, é algo sobejamente conhecido, discutido e trabalhado. Dito isso, estamos perante uma excelente oportunidade para dar a conhecer aspetos desta complexa realidade, e as soluções que estão a ser desenvolvidas.

Primeiro, os números. Verifica-se que os efetivos baixaram todos os anos entre 2012 (31.143) e 2017 (25.025). Em 2018 verificou-se uma recuperação para 26.545, sendo ainda cedo para prognósticos em 2019. Cerca de 35% são militares com contratos de seis anos e uma importante parte da variação deve-se a níveis baixos de ingressos nos primeiros anos desta década.

Segundo, há que sublinhar que os números apenas se compreendem se olharmos tanto para o recrutamento como para os níveis de retenção dos militares nas fileiras. E em ambos os casos, a preocupação com as possibilidades de reinserção na vida civil é uma constante.

Terceiro, temos de reconhecer a complexidade e multiplicidade de fatores como o distanciamento da sociedade face às Forças Armadas, algo que nos tempos mais recentes se tem procurado reverter de forma ativa. Na grande maioria dos países europeus, deparamo-nos com desafios análogos no recrutamento. Num plano mais próximo, existem ainda condicionantes diversas, como a concorrência da oferta laboral, hoje mais competitiva, ou até a divergência entre as expectativas geradas e a realidade do cumprimento do serviço militar.

Não há políticas públicas eficazes sem uma sólida base de conhecimento sobre a realidade, mas só em 2016-17 foi feito um rigoroso e amplo diagnóstico de caracterização sociodemográfica e de satisfação organizacional dos militares em regime de voluntariado e de contrato. O conhecimento anterior era muito pontual e imperfeito.

Foi com base neste duro retrato que o Ministério da Defesa Nacional delineou, em estreita ligação com os três ramos, uma estratégia coerente e ambiciosa, para um horizonte de cinco anos, assente em 34 medidas, traduzidas em 121 ações, metas, indicadores de monitorização, datas e entidades responsáveis. Trata-se do Plano de Ação para a Profissionalização, apresentado em abril. Para aqueles que se interessam pela matéria, aliás fundamental para as nossas Forças Armadas, recomendo a leitura do plano, facilmente acessível no portal do Governo.

A implementação de boa parte das medidas está na alçada do Estado Maior-General das Forças Armadas e dos ramos, pelo que, ao longo dos últimos meses, temos vindo a trabalhar sistematicamente com os chefes militares, cujo envolvimento é indispensável ao seu sucesso. Algumas são relativamente fáceis e imediatas, outras mais complexas, exigindo um período de maturação mais prolongado. Algumas dizem respeito aos três Ramos, outras aplicam-se apenas a um ou dois. O fundamental – e é esse o caminho que já se começou a trilhar –  é reformar o atual contexto profissional das nossas Forças Armadas em torno de três eixos – recrutar, reter e reinserir – permitindo uma nova atitude face à opção pela carreira militar, e a sua adequação às necessidades e desafios da defesa do século XXI.

Outras medidas, mais pontuais, já foram assumidas, ou estão em vias de adoção. Falo do aumento do salário base de entrada de 580 euros para 635 euros em janeiro deste ano; ou da atualização do Regulamento de Incentivos, orientado para a promoção de qualificações escolares e profissionais e para o reforço dos mecanismos de apoio à reinserção profissional, como é o caso do aumento dos organismos do Estado a que passam a poder concorrer com quotas específicas; ou ainda a possibilidade de extensão do Regime de Contrato Especial de seis para 18 anos, aprovada em outubro do ano passado – uma medida que a Força Aérea, a Marinha e o Exército têm à disposição e que deve ser potenciada.

Outras potenciais medidas estão atualmente a ser estudadas, incluindo a criação de quadros permanentes de praças para o Exército e a Força Aérea, à semelhança daquilo que já existe na Marinha.

Merece também referência o Plano Sectorial da Defesa Nacional para a Igualdade, de março, não só por aquilo que representa em termos de cidadania, mas sobretudo pelo seu potencial de recrutamento para as fileiras, e ganho de qualidade resultante de dispor de mais mulheres nas nossas Forças Armadas. O atual nível, que não chega a 12%, está abaixo da média europeia. A experiência de outros países demonstra claramente que há importantes vantagens qualitativas e operacionais que resultam do recrutamento de mais mulheres. Este Plano promove, também, a conciliação da vida pessoal, familiar e profissional dos militares, tanto homens como mulheres. Haverá quem se sinta menos à vontade com esta perspetiva? Sem dúvida, mas não o sinto nas atuais chefias militares, que estão comprometidas com o presente e o futuro das nossas Forças Armadas.

A quantidade e qualidade dos efetivos das nossas Forças Armadas estão, portanto, a ser objeto de muitas medidas, de natureza diversificada na sua aplicação, alcance e consequências. As dinâmicas subjacentes à redução de efetivos nesta década são complexas e multifacetadas, e porventura a mais importante de todas as respostas reside, a prazo, no melhor conhecimento por parte da sociedade portuguesa daquilo que são e fazem as nossas Forças Armadas, e o orgulho que devemos sentir nelas.

Não há soluções prontas para questões sociais e profissionais complexas. Aquilo que hoje sabemos e fazemos permite toda a confiança no futuro das nossas Forças Armadas. Há muito trabalho em curso, e muito trabalho pela frente na prossecução dos objetivos e na realização das medidas, mas é com serenidade e determinação e coesão que devemos avançar. Este é o momento de pôr mãos à obra.