Ministério Público investiga ajustes directos da Câmara do Porto à Telles de Abreu

Autarquia diz que o valor dos contratos com a sociedade de advogados de Pedro Almeida e Sousa, ex-sócio e membro do movimento de apoio ao autarca, é de 218 mil euros.

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Rui Moreira é pesidente da Câmara do Porto desde 2013 PAULO PIMENTA

Os ajustes directos feitos pela Câmara do Porto com a Sociedade de Advogados Telles de Abreu & Associados estão a ser investigados pelo Ministério Público (MP) confirmou o PÚBLICO junto da Procuradoria-Geral da República. No âmbito das investigações que decorrem no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) do Porto já foram ouvidos juristas ligados à empresa municipal Domus Social, mas não há arguidos constituídos.

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Os ajustes directos feitos pela Câmara do Porto com a Sociedade de Advogados Telles de Abreu & Associados estão a ser investigados pelo Ministério Público (MP) confirmou o PÚBLICO junto da Procuradoria-Geral da República. No âmbito das investigações que decorrem no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) do Porto já foram ouvidos juristas ligados à empresa municipal Domus Social, mas não há arguidos constituídos.

Há uma semana, o Jornal Económico noticiou que a Câmara do Porto, desde que Rui Moreira é presidente, já fez ajustes directos de cerca de meio milhão de euros àquele escritório de um ex-sócio e apoiante do Porto Nosso Movimento (PNM), o movimento político pelo qual o autarca foi eleito em 2013 e 2017.

Num email de resposta a perguntas do PÚBLICO, a autarquia garante que, “desde que Rui Moreira é presidente da câmara, ou seja, desde 2013, contratou à Telles de Abreu & Associados o valor de 218 mil euros no total, o que representa em média, 36 mil euros/ano, nos seis anos que leva nos seus dois mandatos, ou seja, 3000 euros/mês, em média, sendo eu nem todo este valor se encontra sequer facturado e pago”.

A autarquia manifesta “espanto por o PÚBLICO estar parcialmente interessado nestes contratos, sob a alegação de que um dos sócios tem participação cívica, quando tais valores são normais”, alega. E justifica a afirmação comparando esses contratos com outros firmados pela Câmara do Porto a sociedades de advogados, noutros mandatos. Destaca que “nos três últimos anos de mandato de Rui Rio (2010-2013), a autarquia contratou a Cuatrecasas, escritório onde era sócio o dr. Paulo Rangel”, pelo valor de 533 mil euros, ou seja, 177 mil euros por ano (14.700 euros por mês, em média)”.

O eurodeputado Paulo Rangel, que foi cabeça de lista do PSD nas eleições para o Parlamento Europeu de Maio, volta a ser referido pela autarquia mais adiante, como “um conhecido dirigente e militante do PSD do então presidente da Câmara do Porto” [Rui Rio]. O actual executivo municipal não explicou por que considerou apenas três dos 12 anos de Rio à frente da Câmara do Porto nem como chegou ao valor de 533 mil, já que o triplo de 177 mil são 531 mil. 

Na resposta ao PÚBLICO, que questionava quais eram as relações entre o município e alguns sócios da Telles de Abreu que integram os órgãos sociais da associação cívica Porto, o Nosso Movimento, a autarquia afirma que “o total das contratações à Cuatrecasas pela Câmara do Porto ascende, desde 2010, a mais de um milhão de euros”. E acrescenta, “a título de curiosidade”, que “o valor das contratações deste último escritório nos dois mandatos do dr. Rui Moreira foi bem superior ao contratado à Telles de Abreu” - mas não especifica quanto, remetendo mais informações para o portal da contratação pública. A Telles de Abreu & Associados é a representante legal de vários promotores imobiliários na cidade

Há uma semana, o Jornal Económico afirmava que Pedro Almeida e Sousa é sócio da Telles de Abreu e, ao mesmo tempo, vogal da mesa da assembleia geral do movimento político criado por Moreira. Todavia, a relação desta sociedade de advogados com Rui Moreira é anterior à sua eleição para a Câmara do Porto.

O autarca independente e Pedro Almeida e Sousa partilharam o conselho de administração da Urban SGPS e da Moldavia- Empreendimentos Imobiliários, duas sociedades anónimas, com o mesmo capital social: 50 mil euros. Estas duas empresas instalaram as suas sedes na Avenida Montevideu, n.º 236, no Porto, onde funcionou a sede da Selminho, a imobiliária da família de Rui Moreira, que tem um litígio com a Câmara do Porto por causa de um terreno na Calçada da Arrábida. Esta morada é a mesma do palacete da família Moreira, que mais tarde deu origem ao Vila Foz Hotel, um hotel de luxo na primeira linha de mar. O palacete encontrava-se no universo da família Moreira desde a sua construção, em 1906. A operação envolveu a venda pela holding da família da sociedade Morimor – Imobiliária S.A., que detinha o imóvel.

Domus Social faz novo contrato

As ligações entre o Porto, o Nosso Movimento e a Telles de Abreu não se ficam por aqui. O líder da bancada municipal e membro do conselho consultivo do PNM, André Noronha, é também sócio da Telles de Abreu. O presidente da Assembleia Municipal do Porto, Miguel Pereira Leite, é fundador do PNM e presidente do conselho de administração da Atlantic - Sociedade Gestora de Fundos Imobiliários, à qual estão ligados outros apoiantes destacados de Rui Moreira. Pedro Almeida e Sousa preside à mesa da assembleia geral da sociedade. O ex-ministro Valente de Oliveira, que foi mandatário da candidatura de Rui Moreira à Câmara do Porto e preside à mesa da assembleia geral do PNM, é presidente do conselho fiscal da mesma Atlantic.

O PÚBLICO questionou a câmara sobre a participação de Pedro Almeida e Sousa no PNM, que gere a Câmara do Porto e contrata a Telles de Abreu, e a autarquia respondeu que “nenhum cidadão pode ser discriminado ou excluído de contratação pública por apoiar uma partido político, campanha política ou candidatura” e que “é inaceitável que seja posta em causa a legitimidade constitucional de um cidadão de apoiar uma candidatura independente”. E observa: “Os serviços de contratação pública da câmara – que, aliás, são dirigidos e chefiados pelos mesmos dirigentes dos mandatos de Rui Rio – não podem discriminar cidadãos ou empresas com base na livre expressão democrática dos mesmos ou dos seus sócios”.

Sobre a recente nomeação de Ana Cabral, mulher de Pedro Almeida e Sousa e comadre de Miguel Pereira Leite, para administradora da empresa municipal Águas do Porto, a Câmara do Porto respondeu ao PÚBLICO: “Não compreendemos o parentesco invocado (…). Os serviços municipais não podem nem devem interferir com esse tipo de relacionamento, tanto mais que o dr. Miguel Pereira Leite não é responsável nem por qualquer nomeação (política ou outra) nem ocupa qualquer cargo executivo no município”.

A Câmara do Porto não respondeu à pergunta que o PÚBLICO fez sobre o valor das adjudicações à Telles de Abreu que foram feitas pelas empresas municipais Go Porto e Domus Social. O conselho de administração da Domus Social aprovou há dias um novo contrato por ajuste directo com a Telles de Abreu.