O tempo não é só dinheiro. É um direito

Não é aceitável que não possamos descansar os dias suficientes para compensar as longas jornadas de trabalho, que não nos seja permitida uma maternidade descansada e sem sobressaltos.

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Mitchel Hollander/Unsplash

Por muito que queiramos enganar a vida e ludibriar a passagem do tempo, não há forma de lhe escaparmos. O tempo avança sem pedir permissão, é constante, discreto e descomprometido. Não está vinculado a nada nem a ninguém, não vai com modas nem circunstâncias, não foge nem fica, passa.

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Por muito que queiramos enganar a vida e ludibriar a passagem do tempo, não há forma de lhe escaparmos. O tempo avança sem pedir permissão, é constante, discreto e descomprometido. Não está vinculado a nada nem a ninguém, não vai com modas nem circunstâncias, não foge nem fica, passa.

Sempre ouvimos dizer que o tempo é dinheiro, mas poucas são as vezes em que nos apercebemos que ele também é um direito, um direito fundamental. É talvez aquele direito que vai passando sorrateiramente por entre os nossos dedos sem termos a percepção de o agarrar.

A sociedade resolveu dividi-lo e compartimenta-lo mediante as necessidades de uns para a desgraça de muitos. Temos tempo para estudar, para trabalhar, para produzir, para lucrar, mas não temos tempo para o tempo.

Desde cedo que cada um assume o estabelecido para todos: vender o nosso tempo. Quando trabalhamos, não é só a força dos nossos braços que se cansa, também o tempo passa na mesma medida em que damos de nós. Precisamos de tempo para brincar, para ser mãe e pai, mas também para sermos filhos. Precisamos de espaço para pensar e reflectir, para trabalhar e descansar. Não é fácil conceber o nosso quotidiano na perspectiva de que falo, no sentido menos racional e técnico do que aquele a que estamos habituados. Todos temos o direito ao trabalho, mas esse trabalho tem de ter direitos, nomeadamente, o direito ao tempo.

Não é aceitável que não possamos descansar os dias suficientes para compensar as longas jornadas de trabalho, que não nos seja permitida uma maternidade descansada e sem sobressaltos. Temos direito a uma reforma que nos possibilite gozar naquele momento da vida aquilo que não conseguimos usufruir mais cedo. O deixar da vida activa não pode ser um mero expediente que a sociedade encontrou para descartar quem não mais pode produzir, depois de lhes ter retirado toda a força e dias para o usufruto da sua própria vida.

Por outro lado, não podemos ser impedidos de acompanhar aqueles que começaram agora a crescer, de os ver progredir e avançar. Não podemos ser impedidos de usufruir do nosso tempo, para poupar o tempo de outrem. Precisamos de tempo para criar, fluir e inovar, todo esse tempo é fundamental para a prossecução de uma sociedade progressista e avançada.

Não tento com estas afirmações fazer um exercício de abstracção em relação à realidade, antes centrar o foco naquilo que é essencial: o tempo só é dinheiro porque é tempo. Constitui aquele bem mais precioso que podemos dar a alguém, um bem que nunca poderemos recuperar, por isso é que é tão caro. Infelizmente, não é caro o suficiente para que a sociedade retribua condignamente todo o tempo que lhe dedicamos. Exigimos mais tempo, tempo de qualidade e de realização, mais tempo para a realização material das aspirações do ser humano, que não se prendem com a mecanização da vida entre o trabalho, a família e a casa.