Afinal, as novas cápsulas da Delta têm bioplásticos e degradam-se apenas em compostagem industrial

A Delta anunciou o lançamento de uma cápsula de café com “0% plástico” e “100% biodegradável”. Mas, embora o produto não contenha o plástico tradicional que deriva do petróleo, o principal componente — um bioplástico — só é compostável industrialmente.

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Ashkan Forouzani/ Pexels

Nos últimos dias, a notícia das cápsulas de café da Delta deu que falar: o produto foi apresentado como sendo “0% plástico” e “100% biodegradável”. Mas foram levantadas questões sobre a matéria-prima que as compõe: afinal, quão livre de plástico é esta opção? E em que condições é compostável?

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Nos últimos dias, a notícia das cápsulas de café da Delta deu que falar: o produto foi apresentado como sendo “0% plástico” e “100% biodegradável”. Mas foram levantadas questões sobre a matéria-prima que as compõe: afinal, quão livre de plástico é esta opção? E em que condições é compostável?

O “0% plástico” anunciado pela Delta refere-se apenas à ausência de plástico de “base petroquímica” nas cápsulas, ou seja, plásticos sintetizados através de matéria proveniente do petróleo. No entanto, o componente principal das novas cápsulas é o BioPBS – Bio-based polybutylene succinate (polibutileno succinato de origem biológica), que faz parte dos chamados bioplásticos. O polibutileno succinato é um composto sintetizado através do ácido succínico, que pode ser obtido através de fermentação — realizada por bactérias e leveduras — ou por manipulação de petróleo. No caso do BioPBS, o ácido succínico é obtido através da primeira técnica — a fermentação —, neste caso à base de mandioca, milho e cana-de-açúcar.

A decisão da Delta em utilizar a expressão “0% plástico” deve-se, por isso, à “associação comum da palavra ‘plástico’ aos materiais que derivam do petróleo e compõem a esmagadora maioria das aplicações de uso único”, justifica fonte da empresa portuguesa. A reivindicação pretende reforçar “a ideia de que este não é igual aos restantes plásticos provenientes do petróleo”, sublinha.

De que vale ser biodegradável em Portugal?

Segundo Carmen Lima, da Quercus, alguns dos produtos no mercado com o rótulo “biodegradável” não obedecem a todos os critérios: “Verificamos, na prática, que não conseguimos que eles cumpram, neste momento, o tempo de degradação utilizado a nível industrial.” As normas europeias estipulam que 90% dos resíduos têm de estar degradados ao fim de seis meses de compostagem.

A Delta confirma que as cápsulas são “biodegradáveis num curto espaço de tempo”. Mas em “instalações próprias [de compostagem industrial] que, de momento, não existem em Portugal”. Quer isto dizer que as cápsulas não se degradam em compostores domésticos. A empresa não revelou quais os “parceiros externos” com quem colaborou para desenvolver a cápsula, nem o tempo exacto que a mesma leva a biodegradar-se. No mercado internacional existem produtos semelhantes compostáveis — mais até do que a maioria dos bioplásticos: um dos que o P3 encontrou, o BioPBS, desenvolvido pela PTT MCC Biochem, é biodegradável à temperatura ambiente e compostável de acordo com os parâmetros exigidos pelas normas europeias, sem precisar de aparelhos específicos.

No entanto, a compostagem dos produtos de BioPBS depende também de outros factores. No caso de cápsulas de café, o processo tem de ser feito num compostor próprio, tal como a Delta esclarece. Um saco de BioPBS degrada-se naturalmente dentro do prazo previsto num compostor industrial, mas as cápsulas são mais robustas. Por essa razão, a decomposição demora mais tempo, não conseguindo, por isso, cumprir com as normas europeias.

O problema não é exclusivo das cápsulas, avisa Carmen Lima: a Quercus sabe que os restos de comida conseguem “assegurar o tempo de degradação da matéria orgânica”, mas o que é biodegradável “artificial” não. À Quercus, a Valorsul (empresa responsável pela valorização e tratamento de resíduos urbanos na Grande Lisboa) garantiu que “os biodegradáveis que são colocados no mercado nacional não cumprem o tempo de degradação da matéria orgânica”. “Logo, não podem ser colocados para compostagem”, assegura.

Mesmo que existissem ferramentas para a degradação deste tipo de biodegradáveis, grande parte do país não tem condições que permitam à população fazer a separação dos resíduos orgânicos. Carmen Silva considera que se está a “criar um contra-senso”, encaminhando para “aterro ou incineração” matérias que deveriam ser aproveitadas. No caso das cápsulas, a Delta informa que os consumidores as devem devolver nos pontos ReciQla já existentes. Mas, até ao momento, não esclareceu se vai existir separação das novas biodegradáveis.

“Estamos com um comportamento errado que é a substituição de descartáveis por descartáveis, quando devíamos substituir descartáveis por reutilizáveis”, faz questão de realçar Carmen Lima. Apesar disso, a coordenadora do Centro de Informação de Resíduos da Quercus reconhece que a mudança para materiais biodegradáveis pode acabar por ser positiva. Ainda que limitada, para já, pelo facto de “o país não ter resposta” para estas questões.