De férias no n.º 9 da Avenida João Crisóstomo

As políticas de promoção da alimentação saudável, atividade física ou combate ao tabagismo a que o executivo anterior nos habituou parecem ter estagnado por completo.

Perto de completar 40 anos, o Serviço Nacional de Saúde transformou Portugal. Hoje, já ninguém deixa de aceder aos cuidados de saúde de que necessita por motivo da sua condição socioeconómica. Agora podemos falar num grau aceitável de equidade neste contexto. Tal facto repercute-se na esperança de vida dos portugueses que ultrapassa, atualmente, os 80 anos. É mais elevada do que a média da União Europeia.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Perto de completar 40 anos, o Serviço Nacional de Saúde transformou Portugal. Hoje, já ninguém deixa de aceder aos cuidados de saúde de que necessita por motivo da sua condição socioeconómica. Agora podemos falar num grau aceitável de equidade neste contexto. Tal facto repercute-se na esperança de vida dos portugueses que ultrapassa, atualmente, os 80 anos. É mais elevada do que a média da União Europeia.

Este contexto demográfico marcado pelo envelhecimento da população, tem reflexos no estado da nossa saúde, com destaque para o aumento significativo de doenças crónicas e para um elevado número de pessoas portadoras de múltiplas patologias. Consequentemente, os encargos do Estado com medicamentos para o tratamento das doenças crónicas têm crescido mais de 7% ao ano. Portanto, a menos que mudemos o paradigma atual, a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde é matematicamente impossível a médio/longo prazo.  

A única esperança para a viabilidade futura do SNS reside no facto de a origem da maioria das doenças crónicas assentar em fatores de risco passíveis de serem modificados e evitados. A aposta na promoção da saúde e na prevenção da doença tem, portanto, de ser uma prioridade para os Governantes.

Infelizmente, o número de executivos da saúde que colocou verdadeiramente estas áreas em primeiro lugar foi sempre residual.

Verdade seja dita, a ação do anterior executivo da Saúde distinguiu-se neste aspeto. Quem não ouviu falar das políticas de promoção da alimentação saudável? Quem não hesitou antes de deitar o pacote inteiro de açúcar no café? Quem não sentiu um “guilty pleasure” ao beber o seu refrigerante habitual? Havia uma visão a médio/longo prazo para a saúde dos portugueses. 

Ao longo dos três últimos anos, terão sido essas políticas, da área da Saúde Pública as mais marcantes. Desde a taxação das bebidas açucaradas até à colocação da comunicação e literacia em saúde no centro das prioridades do SNS. Investir em comunicação e prevenção não é desperdício de dinheiro! É investimento no futuro!

Mesmo sem verbas suficientes para concorrer com as gigantes multinacionais no que respeita a espaço televisivo, o Governo soube encontrar soluções, firmando um protocolo inédito de cedência de espaço televisivo com as 4 maiores estações nacionais. Graças à responsabilidade social da RTP, SIC, TVI e Porto Canal, o Ministério da Saúde ganhou acesso a espaços publicitários em mais de 19 canais. Com este protocolo, o Governo poupou o equivalente a 8 milhões de euros por ano, para promoção de Campanhas de Saúde Pública.

Goste-se ou não, foi graças a este empenho político ao mais alto nível que a  Campanha da Luta Contra o Tabagismo de 2018, “Opte Por Amar Mais, Deixe de Fumar”, entrou no TOP 10 das campanhas televisivas mais impactantes do ano. A Saúde começou a sair das paredes dos hospitais e dos centros de saúde e a entrar nas casas das pessoas.

Em 2018 foi ainda lançada a campanha “Açúcar Escondido”, que alertava a população para o açúcar escondido nos alimentos. Para o último trimestre estava prevista a grande campanha nacional de promoção da atividade física...

Mas "não há mal que nunca acabe nem bem que sempre dure". Em Outubro passado foi realizada uma remodelação governamental que conduziu à substituição da equipa da Saúde. Com as pastas do antigo secretário de Estado Adjunto e da Saúde ficou uma nova secretária de Estado. Dizem as más línguas que esta poderá ter sido uma compensação pela sua não seleção para o cargo de diretora-geral da Saúde, que tinha até sido anunciada pelo anterior diretor-geral. Intrigas à parte, de uma especialista em Saúde Pública esperava-se o melhor. Infelizmente, pelos vistos, não só não tem tido a capacidade de igualar a capacidade de trabalho dos seus antecessores, como remeteu grande parte dos dossiers da Prevenção da Doença e Promoção da Saúde para um nível técnico: a Direção-Geral da Saúde. Note-se que esta mesma instituição sofreu um desfalque preocupante nos seus quadros pelo destacamento recente de grande parte dos seus altos quadros para integrar a equipa da atual ministra da Saúde. Neste contexto, as políticas de promoção da alimentação saudável, atividade física ou combate ao tabagismo a que o executivo anterior nos habituou parecem ter estagnado por completo.

O acordo para redução dos teores de sal, açúcar e gorduras nos alimentos processados (trabalhado com a industria alimentar durante meses) foi metido numa gaveta. Porquê?

O projeto Lei que previa a nova redução do teor máximo de sal adicionado no pão não avançou. Porquê?

O projeto Lei para a eliminação das Gorduras Trans nos alimentos em Portugal foi esquecido. Porquê?

E a mesma inércia se pode descrever nas restantes áreas da saúde tuteladas pela sra. Secretária de Estado. Acabou a luta sem tréguas pela saúde pública e voltou a focar-se a estratégia do Ministério da Saúde apenas no tratamento da doença?

Do 5.º Piso da Avenida João Crisóstomo nada se ouve há mais de 2 meses. Estará a Sra. secretária de Estado da Saúde de férias desde que tomou posse?

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico