Qual é o perfil das vítimas portuguesas de tráfico?

O Centro de Acolhimento e Protecção fez o retrato da vítima portuguesa.

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A maioria das vítimas também não tem qualquer suporte familiar e é recorrente terem passado por uma situação de sem-abrigo Luis Efigénio/nFACTOS

Os homens portugueses vítimas de tráfico são mais velhos e mais frágeis e normalmente explorados em quintas isoladas do interior do país, onde vivem “em prisões sem muros” durante largos anos, refere o coordenador do centro de acolhimento de Coimbra.

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Os homens portugueses vítimas de tráfico são mais velhos e mais frágeis e normalmente explorados em quintas isoladas do interior do país, onde vivem “em prisões sem muros” durante largos anos, refere o coordenador do centro de acolhimento de Coimbra.

No único Centro de Acolhimento e Protecção (CAP) para vítimas de tráfico de seres humanos do sexo masculino, 42% dos acolhidos desde Maio de 2013 (quando começou a funcionar) são portugueses, sendo normalmente pessoas “mais fragilizadas e com mais vulnerabilidades”, disse à agência Lusa Marco Carvalho, coordenador deste espaço gerido pela Saúde em Portugal.

No país, há ainda centros de acolhimento para mulheres e crianças. A vítima portuguesa é, em média, mais velha do que a vítima estrangeira e necessita de mais tempo de permanência dentro do CAP.

“As vítimas portuguesas foram exploradas durante muito mais tempo - nove anos, 15 anos ou até 25 anos. São pessoas, normalmente, com problemas a nível psiquiátrico e têm uma maior vulnerabilidade para cair nestes casos de exploração”, frisou o coordenador.

Em muitos casos, conta, as vítimas eram exploradas em zonas rurais, no interior do país, normalmente para trabalhar em quintas isoladas ou na pastorícia.

A esmagadora maioria dos casos de homens refere-se a vítimas de tráfico para exploração laboral, havendo em alguns casos situações de escravidão, em que a pessoa não chega a receber qualquer remuneração e é vista apenas “como um instrumento de trabalho”.

Marco Carvalho recordou o caso de um pastor, numa quinta, que “durante nove anos não recebeu qualquer remuneração, era tratado como um animal e ainda lhe retiravam a pensão de invalidez”.

Uma constante em todos os processos de homens portugueses que passaram pelo centro que coordena é a dependência do álcool. “Cem por cento dos homens portugueses que aqui são acolhidos têm problemas de consumo de álcool. É uma forma de o explorador conseguir manter ali a vítima. É normal a vítima dizer que o patrão lhe dava comida, um sítio para dormir e um garrafão de vinho. A comida são restos, a dormida é uma barraca, o vinho é uma trela”, salientou. Além de aproveitar a dependência do álcool, o explorador recorre muitas vezes a agressões e ameaças. “É normal as vítimas chegarem subnutridas e com sinais de agressões”, acrescentou.

A maioria das vítimas também não tem qualquer suporte familiar - já estavam sozinhas antes de serem exploradas e é recorrente terem passado por uma situação de sem-abrigo.

Quando são acolhidos, os homens mostram sinais de stress pós-traumático, bem como terrores nocturnos, sendo que o processo de integração pode demorar vários anos: “Aqui, não há prazo de saída. O tempo de intervenção varia e o importante é sair capacitado para se reintegrar na sociedade”.

Sobre a dificuldade desse processo, Marco Carvalho apontou para o caso de uma vítima portuguesa. Durante cerca de seis anos, “a única convivência que teve foi com as cabras e ovelhas e com o explorador”.

“Quando entram na casa de acolhimento, às vezes, é preciso educá-los desde o zero: como utilizar uma casa de banho, como utilizar uma cozinha, como estar em comunidade. É um trabalho que demora muito tempo”, vincou. Apesar de muitas vezes a exploração decorrer em locais sem uma barreira física, Marco Carvalho salienta que as vítimas acabam por estar “em prisões sem paredes”.

“Há ameaças, há agressões e perdem a noção de que estão a ser explorados. Vivem um dia a seguir ao outro e interiorizam aquela rotina de passear o gado. Um deles dormia com as ovelhas, no meio do monte, e trabalhava de sol a sol. Havia uma normalização do processo”, explicou. Além disso, há sempre o medo de fugir, mesmo que não haja muros.

“Um senhor esteve nove anos numa quinta e podia fugir, mas recordava que a única vez que tentou foi quando lhe bateram mais. O controlo é muito grande”, realçou.