De pequenino se programa o algoritmo

Milhares de alunos do ensino básico passaram a semana a programar num desafio organizado pela Universidade Nova de Lisboa para estudantes do ensino básico. O objectivo é ensinar aos mais pequenos a competência do futuro. Pelo caminho,aprendem a salvar o planeta.

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Na Escola Básica da Portela, concelho de Loures Rui Gaudêncio

Às 9h, a turma do 4.º A já estava a programar na biblioteca da Escola Básica da Portela, no concelho de Loures. Reunidos em grupos de dois ou três em frente a computadores portáteis, os alunos discutiam entre si a melhor forma de pôr os personagens no ecrã a apanhar o lixo da praia com o menor número de passos possíveis. Tinham de criar o algoritmo certo para passar de nível. Foi assim ao longo desta semana em várias escolas a participar na Coding Fest, uma competição anual organizada pela Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Nova de Lisboa. Dirige-se aos mais novos.

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Às 9h, a turma do 4.º A já estava a programar na biblioteca da Escola Básica da Portela, no concelho de Loures. Reunidos em grupos de dois ou três em frente a computadores portáteis, os alunos discutiam entre si a melhor forma de pôr os personagens no ecrã a apanhar o lixo da praia com o menor número de passos possíveis. Tinham de criar o algoritmo certo para passar de nível. Foi assim ao longo desta semana em várias escolas a participar na Coding Fest, uma competição anual organizada pela Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Nova de Lisboa. Dirige-se aos mais novos.

“Andar, andar, apanhar. Aqui tens de virar! Não te esqueças”, avisou Manuel Tarouca, nove anos, a apontar para o ecrã. Era a vez de Rodrigo Soares, também com nove anos, programar o personagem do jogo ao arrastar blocos de instruções coloridos. “Eu sei. Mas já só temos mais dois blocos para usar”, respondeu-lhe Rodrigo Soares.

Juntos, dizem ao boneco quantos passos tem de andar e em que direcção. Ao longe, o professor Paulo Torcato – responsável pelas actividades de introdução à programação na escola da Portela – perguntou: “O que é que dá menos trabalho? Dois mais dois mais dois mais dois, ou quatro vezes dois?”

“Quatro vezes dois”, responderam logo os alunos. “Temos de pensar numa forma de usar menos blocos”, explicou ao PÚBLICO Laura Amaral, de nove anos. “O mais difícil do jogo é quando já não há blocos. Com mais blocos, era mais era fácil chegar à bandeira e passar de nível.”

É o terceiro ano que a Faculdade de Ciências e Tecnologia organiza a Coding Fest, lançada em 2016 para motivar escolas do ensino básico (1º, 2º e 3º ciclos) a ensinar os alunos a programar. A iniciativa faz parte da Hora do Código, um projecto internacional para sensibilizar a sociedade para uma nova forma de literacia no século XXI, o código. Nos últimos anos, tem contado com a participação de alunos de mais de mil escolas em Portugal.

“É fundamental começar a desenvolver estas competências desde cedo. Cada vez mais as pessoas vão ter de aprender a trabalhar com grandes quantidades de dados. É preciso saber decompor problemas, organizar informação, e não desistir”, explica ao PÚBLICO João Leitão, parte da equipa da FCT que cria os desafios da competição. Têm o apoio do Movimento Código Portugal, a campanha do Governo para mobilizar escolas e universidades a ensinar programação de forma acessível a todos.

Em 2018, não há falta de trabalho em programação. Só de profissionais. A Comissão Europeia prevê que até 2020 existam 15 mil vagas para informáticos em Portugal se não existir uma orientação de pessoas para a área.

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Na Escola Básica da Portela, concelho de Loures Rui Gaudêncio

Nesta edição, o objectivo do jogo também é alertar para o problema da poluição. “Os desafios têm vários níveis, consoante o ano de escolaridade, e tentamos dar uma missão social para os miúdos se motivarem mais”, diz João Leitão. O ano passado o objectivo era ajudar os heróis no ecrã a reparar satélites no espaço.

No final desta sexta-feira, são anunciadas as três escolas que completaram os desafios com um menor número de blocos. Os alunos do 4.ºA estão confiantes. As aulas de programação com o professor Paulo Torcato não são novidade. Quando a Internet falha, os exercícios são feitos com um pequeno robô que têm de pôr a andar pela sala, ou ao ditar as instruções ao professor que só se mexe se for bem programado.

“A programação começa longe do ecrã”, diz ao PÚBLICO Paulo Torcato. “Um algoritmo não é nada mais do que uma receita de um conjunto de passos que se tem de fazer para resolver um problema.”

Há pais cépticos. “Dizem-nos: ‘Mas e o resto da matéria? Não vão aprender sobre o básico!’”, admite o professor. “Quando mostramos o que os miúdos estão a fazer, mudam de ideias. Está tudo incluído.”

Num dos exercícios, os alunos programaram uma caravela para navegar no ecrã até diferentes ilhas onde estão escondidas perguntas sobre a época das grandes navegações marítimas. O jogo foi criado com o Scratch, uma aplicação desenvolvida por investigadores do MIT, reputada universidade de tecnologia nos EUA, para ensinar crianças a programar histórias interactivas.

“O maravilhoso é que o pensamento computacional está acessível a qualquer criança”, acrescenta o professor. Na escola, há vários meninos com necessidades especiais, desde perturbações ao nível do neurodesenvolvimento, como o autismo, a distúrbios cognitivos e distúrbios de movimento.

“Todos conseguem programar porque os obriga a chegarem sozinhos à solução em vez de estarem a ouvir diálogos longos que podem ser difíceis de acompanhar. É mais visual”, explica Paulo Torcato. “E os miúdos ajudam-se uns aos outros.”

No 4ºA, Matilde Lourenço, de 11 anos, era das mais entusiasmadas com a Coding Fest. Como tem paralisia cerebral, usa um “ratinho especial” para a ajudar a mexer no computador. Disse que era preciso “tentar muitas vezes” até resolver o desafio, mas que chegam sempre à solução.

“O exercício é divertido porque é difícil”, acrescentou Afonso Silva, de nove anos. “Temos de pensar todos juntos e tentar várias vezes.” O jogo ainda não o fez desistir de um futuro como youtuber ou polícia marítimo, mas é das actividades que mais gosta de fazer na escola.

“Temos de estimular os miúdos”, frisa ainda Paulo Torcato. “Os alunos que temos hoje vão ter profissões em que precisam de saber mexer em computadores e estar à vontade para resolver problemas.”

Artigo corrigido às 10h51 de 7/12/2018: a FCT é a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, e não a Fundação para a Ciência e Tecnologia