Usa os meus caracóis

Há dias que fazem questão de mostrar-nos, por A mais B, que foi um erro levantarmo-nos da cama. Ontem foi um desses dias.

Deveria ter ao menos tentado interpretar os gritos do estranho papagaio verde que não estava bem em árvore nenhuma. Zarpava de uma para a outra emitindo berros lancinantes. Estaria a sofrer? Era óbvio que sim. Eu é que ainda não sabia de quê.

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Deveria ter ao menos tentado interpretar os gritos do estranho papagaio verde que não estava bem em árvore nenhuma. Zarpava de uma para a outra emitindo berros lancinantes. Estaria a sofrer? Era óbvio que sim. Eu é que ainda não sabia de quê.

Há dias que fazem questão de mostrar-nos, por A mais B, que foi um erro levantarmo-nos da cama. Ontem foi um desses dias. Tinha ido visitar os cisnes do jardim Conde Castro Guimarães. Já não havia. Só patos. E um patinho, também aos guinchos. Aproximei-me para observá-lo. Fizeram o mesmo uma mulher com a filha de três anos. Quem é que não gosta de ver patinhos pequeninos?

Nunca mais me hei-de esquecer. Este patinho estava a ser assassinado pela mãe a dar-lhe bicadas para afogá-lo. A menina começou a chorar. Eu e a Maria João ficámos brancos. Um homem pegou numa pedra e disse "Vou limpar o sebo ao cabrão!" Mas não acertou.

Enquanto procurava outra pedra explicou que tinham nascido doze patinhos e que já tinham morrido onze, quase todos apanhados por gaivotas. Os restantes foram mortos pela mãe. Porquê? Porque têm fome, porque "a câmara de Cascais não dá de comer aos bichos!"

Traumatizado, recuei para o portão. Antes de lá chegar ouvi mais gritos do papagaio e senti cair uma massa de peso no meu cabelo. Pedi à Maria João para confirmar se era o que eu temia. E era. Era claramente excremento de ave exótico, farto de volume e difícil de remover, como uma fétida pastilha elástica que a vida nos cola na mona. Era a minha deixa para gritar.