“Indústria teve de baixar à vida real [na crise]”

O comportamento do consumidor português não mudou após a crise, mas fez as empresas de distribuição ganharem quota à indústria alimentar de marca, garante Pedro Soares dos Santos. Modelo de governance do grupo Jerónimo Martins só é revisto em 2019.

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Pedro Soares dos Santos, presidente e administrador-delegado da JM SGPS Rui Gaudêncio

O retalho alimentar que opera no país está “sempre à luta”, reconhece Pedro Soares dos Santos, presidente e administrador delegado da Jerónimo Martins, dona do Pingo Doce. Sobre o grupo, não adianta que modelo terá o governo da sociedade quotada, adiando para 2019 o anúncio da decisão. Nessa altura, a forma como a JM irá distribuir lucros pelos trabalhadores também já deverá estar definida.

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O retalho alimentar que opera no país está “sempre à luta”, reconhece Pedro Soares dos Santos, presidente e administrador delegado da Jerónimo Martins, dona do Pingo Doce. Sobre o grupo, não adianta que modelo terá o governo da sociedade quotada, adiando para 2019 o anúncio da decisão. Nessa altura, a forma como a JM irá distribuir lucros pelos trabalhadores também já deverá estar definida.

O que é que mudou no perfil do consumidor depois da crise?
Não mudou. Quando tem uma folga financeira gasta noutras áreas, não no retalho alimentar. Continua muito focado na promoção, e o cesto [de compras], como um todo, não mudou nada. O retalho foi talvez o maior aliado do povo português durante a grande austeridade que tivemos.

Muito sustentado nas promoções?
Não, muito sustentado na margem dos próprios, que ajudaram o povo português a atravessar uma fase muito difícil. E isso foi um mérito que não foi de uma companhia, foi de um retalho todo.

E é possível agora o retalho ter uma certa folga?
Não. Não folgamos. Estamos sempre à luta. Somos lutadores por excelência.

A indústria agro-alimentar também foi igualmente penalizada na crise, porque houve sobretudo um downgrade na questão das marcas, o que beneficiou…
Está a falar de que indústria – a agrícola ou a de marca?

A indústria que transforma.
É que são dois mundos diferentes: a indústria agrícola foi muito penalizada. A outra não foi penalizada em nada.

Acha que não?
Nada. Zero.

Não perderam clientes para as marcas próprias da distribuição?
Perderam para as marcas próprias e tiveram que baixar à vida real – como é que é possível você oferecer um produto tão bom ou melhor do que o deles, a menos de metade do preço que eles vendiam… significava que eles estavam a ficar com muito no bolso. Tiveram foi que baixar à vida real, porque senão estavam a perder o mercado. O consumidor é inteligente: pode comprar o meu detergente uma vez, se não gostou nunca mais compra. Como gostou, passa a comprar. Começa a perceber que tem um produto com valor a um preço muito mais acessível. O que esta crise os obrigou foi a vir aos preços acessíveis; permitiu que as marcas próprias ganhassem um mercado que eles não deram de mão beijada.

Qual é a quota [das marcas próprias], actualmente, no Pingo Doce?
É à volta de 35%, 36%. E não é mais porque a gente não quer.

Como é que está a situação da taxa de segurança alimentar mais [que a JM contesta]?
Estamos à espera das decisões — duas — dos tribunais.

As últimas têm sido favoráveis à vossa causa?
Sobre nós, ainda não saiu absolutamente nada. Não há decisões definitivas ainda. Estamos à espera. Continuamos a considerar, pelos pareceres que temos, que esta taxa é inconstitucional. E esperamos ganhar.

E já acumulam uma dívida de…?
Não faço ideia. [Em 2017 eram 14,6 milhões de euros.]

E se não ganharem?
Pagamos. Perdemos, não ganhamos, resta-nos pagar. É uma causa em que a gente acredita, leva até ao fim: perdeu, perdeu. A gente, no que acredita, luta.

A JM vai voltar a ter duas pessoas para exercer as funções de chairman e administrador delegado?
O que está definido para este triénio, que termina em 2018, está fechado. O que vai ser o próximo só em 2019 é que saberemos.

Como é que os trabalhadores serão accionistas, conforme disse que estava a ser estudado?
Não é serem accionistas, é terem o profit sharing. São premiados com os lucros da companhia — uma parte passa para eles.

Como se fosse um accionista a receber dividendos, é isso?
Exactamente. Estamos a estudar isto para institucionalizar, de forma a que as pessoas se sintam parte integrante [do grupo]. Se vai ser ao nível da JM ou ao nível das companhias é que ainda estamos a estudar. Espero que até ao fim do ano consigamos fazer isto. Mas vamos ver, porque isto não é fácil, do ponto de vista fiscal.

Em 2017, disse, distribuíram 107 milhões de euros [aos trabalhadores, em prémios]?
Sim, referente a 2016. Agora vai-se distribuir os de 2017. Já está provisionado e o conselho [da administração] decide. 

É legítimo admitir que vai subir?
Isso agora depende do conselho. Mas penso que sim.

Um tema recorrente são os impostos. Acha que a JM, mediaticamente, é maltratada quanto à questão fiscal?
Até pode ser maltratada. Mas a JM também é uma empresa que luta pelos seus direitos e por aquilo em que acredita. A JM cumpre com as suas obrigações todas. Quando se sente injustiçada, também luta por esses direitos. Por isso é que somos dos maiores pagadores de impostos deste país (nos últimos cinco anos são mais de 120 milhões de euros).

E a questão da fuga ou não para a Holanda para evitar impostos…
Fuga de quem? Mas fuga de quem, desculpe lá? É que essa conversa já me deixa um bocado irritado. Fuga de quem? Nós não fugimos, nós pagamos os impostos aqui.

A palavra “fuga” quando se falou do grupo e sobretudo da Sociedade Francisco Manuel dos Santos [dona de 56,1% da JM] não é correcta?
Não é incorrecta — é uma mentira, porque as sedes da JM, do Pingo Doce e do Recheio estão em Portugal e o que está na Holanda são os veículos de investimentos na Polónia e na Colômbia. Os impostos da Polónia são pagos na Polónia, os impostos de Portugal são pagos em Portugal, e os impostos da Colômbia são pagos na Colômbia. Nada mais a dizer. Claro, uma mentira, quando tanta vez se diz, um dia passa a ser verdade. Mas não é verdade.