Das fake news à superioridade dos intelectuais. A receita de Santos Silva contra o populismo

O ministro dos Negócios Estrangeiros escreveu um artigo de opinião sobre a influência das redes sociais e a sua força na substituição aos intelectuais. Santos Silva foca-se no papel dos jornalistas, do poder e da academia.

Foto
Santos Silva é doutorado em sociologia e tem obra publicada sobre o debate público Miguel Manso

"Será que as redes sociais estão substituindo os intelectuais?" É esta a pergunta a que o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, se propõe responder num longo ensaio publicado no jornal brasileiro Folha de São Paulo. E a resposta é complexa. Santos Silva defende que não se deve menosprezar o poder e a utilidade desta forma de comunicar, mas que há um caminho a ser percorrido quer pelos intelectuais, quer pela comunicação social para que o combate à desinformação e às fake news seja eficaz e se consiga com isso travar uma batalha mais equilibrada contra o populismo.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

"Será que as redes sociais estão substituindo os intelectuais?" É esta a pergunta a que o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, se propõe responder num longo ensaio publicado no jornal brasileiro Folha de São Paulo. E a resposta é complexa. Santos Silva defende que não se deve menosprezar o poder e a utilidade desta forma de comunicar, mas que há um caminho a ser percorrido quer pelos intelectuais, quer pela comunicação social para que o combate à desinformação e às fake news seja eficaz e se consiga com isso travar uma batalha mais equilibrada contra o populismo.

"A desinformação e o populismo alimentam-se um do outro, e ambos representam enorme perigo para a vida pública democrática", começa por avaliar o ministro que acrescenta que as fake news são um perigo latente para toda a sociedade. “Seria outro erro fatal supor que essa alimentação recíproca entre populismos e fake news seja um perigo somente para os governos, os partidos políticos e as competições eleitorais. Dois outros pilares das democracias maduras encontram-se também ameaçados, e a derrocada deles terá consequências devastadoras para a nossa cidadania. Refiro-me ao campo académico (ou universidade, em sentido amplo) e ao jornalismo; ou seja, refiro-me aos intelectuais e à função intelectual."

E é sobre eles que se foca, sobre os erros que estes dois universos profissionais cometem, alimentando com esses mesmos erros a força do populismo. Numa altura em que a comunicação social tem estado no foco das atenções, por cá e internacionalmente, sendo disso o maior exemplo a “guerra” entre os meios de comunicação de referência americanos e o Presidente dos EUA, Donald Trump, Santos Silva lembra que “a força do populismo" não se deve apenas à sua força própria, mas também tem de se olhar para os profissionais destas áreas, nomeadamente intelectuais e jornalistas.

Os erros apontados pelo governante, licenciado em História com doutoramento em Sociologia e obra publicada sobre o debate público – a intelectuais e a jornalistas – são cinco. A começar pela “arrogância", pela ideia que "o intelectual encarnava uma autoridade superior, superlegítima, quase transcendente". Esse distanciamento em relação ao comum dos cidadãos leva a que o contrário também seja alimentado. “Os intelectuais que aumentaram deliberadamente o seu próprio distanciamento em relação ao povo não podem queixar-se de que o povo lhes pague em dobro, escreve.

A segunda culpa é a "traição", quando estas classes profissionais aceitaram tornar-se "porta-vozes de ideologias". A terceira culpa passa pelo “descumprimento ostensivo da deontologia profissional". "O que tem sido particularmente evidente e grave no jornalismo, onde todos os dias se repetem infracções descaradas a regras básicas de ética e deontologia, como a separação entre factos e opiniões, o respeito pela intimidade da vida privada, a obrigação do contraditório ou o dever de prova”, defende o governante.

Ainda nas culpas destes profissionais está a “autossatisfação” que se prende na realidade apenas com a ideia de que estes profissionais acabam a “falar uns para os outros”. E como resumo de todas as culpas, o “poder simbólico”, que sintetiza a ideia de que “chega sempre um dia em que os excluídos e os oprimidos se revoltam, mesmo que sob bandeiras erradas e lideranças perversas".

Se estas são as culpas, o caminho, numa longa explicação que pode ser lida no ensaio em detalhe, não é menos longo e menos importante.

Como resumo, para combater o crescente populismo, Santos Silva acredita que “não precisamos de menos, mas de mais intelectuais. De mais académicos, de mais professores, mais jornalistas. De mais cultura jornalística – como escrutínio crítico e organizado de fontes diferenciadas de informação – e de mais cultura científica – como forma específica e autodirigida de produzir e circular conhecimento", escreve.

Esta é a única alternativa para “combater o populismo e a desinformação”. Para o governante, as redes sociais não podem ser menosprezadas ou ignoradas, “devemos, isto sim, conhecê-las, compreendê-las e frequentá-las. Não para subordinarmos à sua lógica hegemónica a função própria dos intelectuais no espaço público, mas para mobilizar todo o enorme poder de capacitação crítica que essa função transporta, para revigorar a cidadania e preservar a democracia”.

Em resumo, fica a resposta à própria pergunta: “Podem os intelectuais ser substituídos pelas redes sociais? Sem dúvida. Mas só se renunciarem à sua dupla responsabilidade: de conhecer e de agir."