Portugal, um país racista? (III)

Por mais que isso choque a consciência politicamente correcta, não há um racismo mau (o branco) e um racismo bom (o negro).

No plano mais ideológico, há decerto um racismo em Portugal, pouco expressivo mas existente, que mimetiza o racismo da extrema-direita europeia (usemos a terminologia mais comum), o qual se pode verbalizar da seguinte forma: “A Europa apenas para os europeus (leia-se: para os europeus brancos).” E que, por sua vez, é simétrico das posições, não menos racistas, dos que defendem, por exemplo, que “África deve ser apenas para os africanos (leia-se: para os africanos negros)”. Por mais que isso choque a consciência politicamente correcta europeia, não há um racismo mau (o branco) e um racismo bom (o negro).

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No plano mais ideológico, há decerto um racismo em Portugal, pouco expressivo mas existente, que mimetiza o racismo da extrema-direita europeia (usemos a terminologia mais comum), o qual se pode verbalizar da seguinte forma: “A Europa apenas para os europeus (leia-se: para os europeus brancos).” E que, por sua vez, é simétrico das posições, não menos racistas, dos que defendem, por exemplo, que “África deve ser apenas para os africanos (leia-se: para os africanos negros)”. Por mais que isso choque a consciência politicamente correcta europeia, não há um racismo mau (o branco) e um racismo bom (o negro).

Para além deste racismo mais óbvio, há, porém, um outro, bem menos apreensível, mas bem mais influente. Qualificá-lo-emos, à falta de melhor termo, como um racismo cultural ou civilizacional. Neste, o acento tónico não se detém na questão do tom da pele, mas nas questões culturais e civilizacionais. Formalmente “anti-racista”, este outro racismo chega, porém, às mesmas conclusões: Portugal deve ter apenas relações privilegiadas com os outros povos europeus porque é com esses que, alegadamente, partilhamos a mesma cultura e a mesma civilização. Subjectivamente, as pessoas que defendem este tipo de posições não se consideram, de todo, racistas — o que não pomos em causa, até porque, nalguns casos, este tipo de posições remete para um contexto epocal específico.

Um exemplo recente: no dia 12 de Julho, na sede da UCCLA – União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa, em Lisboa, o embaixador José Augusto Duarte, assessor do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa e que irá em breve representar o nosso país na China, apresentou uma obra do Doutor Hélder Martins, sobre a “Casa dos Estudantes do Império” (é esse mesmo o título da obra). Durante a sua apresentação, disse, a certa altura, algo de muito sintomático, a propósito de, no início da sua carreira, ter sido destacado para Moçambique. Citamos de memória: “Naquela altura [anos 80/90], estávamos todos [os portugueses, em particular, como salientou, os mais jovens] voltados apenas para a Europa.”

Daí, como assumiu, a sua hesitação inicial em aceitar o cargo de embaixador em Moçambique — depois, como assumiu igualmente, veio a apreciar muito a experiência. O que está aqui em causa não é, decerto, a posição pessoal do embaixador José Augusto Duarte (de quem, de resto, ficámos com muito boa impressão), mas o que ela revela de uma determinada época.

De facto, durante algumas décadas, Portugal desprezou (quase) por inteiro a relação com os restantes países lusófonos. O que, pelo menos em parte, até se pode compreender — na ressaca da (traumática) guerra colonial e da consequente (e não menos traumática) descolonização, a lusofonia parecia ser ainda uma excrescência do nosso passado. Já no século XXI, ultrapassada essa memória traumática, impõe-se uma outra atitude. Não anti-europeia, mas assumidamente pró-lusófona, no regresso ao nosso futuro comum.