Dois inquéritos arquivados pelos Comandos e um decidido por superior hierárquico

Antes do inquérito interno do Exército de 2016, ao Curso 127, dois outros tinham sido arquivados por alegada insuficiência de provas. Denúncias foram feitas em 2014 e 2015.

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Face à situação de internamento de dez instruendos do Curso 123 no Hospital das Forças Armadas, em Abril de 2014, o director clínico do pólo de Lisboa do hospital dirige uma informação confidencial ao chefe de gabinete do chefe de Estado-Maior do Exército (CEME). O ofício, de 17 de Abril, descreve o estado do soldado que acusou três instrutores de agressão como sendo um “de uma série de dez doentes provenientes da mesma unidade em 72 horas”, sete dos quais deram entrada no hospital em 24 horas.

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Face à situação de internamento de dez instruendos do Curso 123 no Hospital das Forças Armadas, em Abril de 2014, o director clínico do pólo de Lisboa do hospital dirige uma informação confidencial ao chefe de gabinete do chefe de Estado-Maior do Exército (CEME). O ofício, de 17 de Abril, descreve o estado do soldado que acusou três instrutores de agressão como sendo um “de uma série de dez doentes provenientes da mesma unidade em 72 horas”, sete dos quais deram entrada no hospital em 24 horas.

O tenente-general Pinto Ramalho, na altura CEME, remete a informação para o comandante das Forças Terrestres (CFT), a quem pede para “proceder a averiguações relativamente aos factos” que poderiam “ter dado origem ao quadro clínico evidenciado pelos dez militares”. O comandante das Forças Terrestres, por sua vez, entrega a informação ao comandante da Brigada de Reacção Rápida (que depende do CFT), a quem pede “para dar cumprimento ao despacho”. O comandante da Brigada de Reacção Rápida, através do chefe de gabinete, pede ao comandante do Centro de Treino dos Comandos “para dar cumprimento [a um processo de averiguações]”, solicitando “particular atenção ao caso do soldado” com o nariz partido e o tímpano furado.

Ao pedido, enviado a 28 de Abril, junta todas as cópias dos ofícios anteriores e das dez informações clínicas dos militares internados. O processo de averiguações decorre com audições a instruendos do mesmo grupo do queixoso, que dizem não ter conhecimento de agressões, e a instrutores, que negam as acusações. O processo é arquivado dois meses depois sem atribuir responsabilidades. 

A decisão de arquivar é do comandante do regimento, coronel Dores Moreira, tanto neste inquérito como no seguinte, um ano depois, quando oito instruendos do Curso 125 foram internados e um deles também afirma ter sido agredido. Só em 2016, no processo de averiguações interno do Exército às duas mortes no Curso 127, é deduzida acusação contra três militares por “violação dos deveres militares no Regulamento de Disciplina Militar”. As conclusões resultam de um processo de averiguações feito não pelos Comandos, mas pelo Comando das Forças Terrestres, hierarquicamente superior. 

Num primeiro documento, o oficial encarregado de ouvir as testemunhas diz que “não foi identificada matéria facto que indique a violação de nenhum dos deveres constantes no Regulamento de Disciplina Militar”, nem no caso da morte de Hugo Abreu nem no da morte de Dylan da Silva, no início de Setembro.

Sargento punido

Neste caso, a 14 de Setembro de 2016, Dores Moreira remete para decisão superior o que fazer destas conclusões. O próprio diz que, sendo comandante, está “impedido de exercer a sua função neste processo de averiguações” por “poder vir a ser ouvido na qualidade de testemunha”. As conclusões são rejeitadas pela hierarquia, que inicia a instrução de um novo inquérito. Este termina em Dezembro com três acusações: o director e o médico do curso, um tenente-coronel e um capitão, e o encarregado de instrução do grupo de graduados, o sargento sobre o qual já havia denúncias de agressão no curso de 2014. À excepção do médico, os outros dois mantiveram-se em funções. Os três recorreram. O sargento foi punido, em Maio, com “proibição de saída” por dez dias — a terceira de uma escala de cinco penas: repreensão, repreensão agravada, proibição de saída, suspensão de serviço e prisão disciplinar.