Existem cães potencialmente perigosos?

A resposta é muito simples: não. Há cães com comportamentos agressivos, mas não agressivos por natureza. Vamos acabar de vez com este mito?

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Karsten_Kettermann/ Pixabay

Esta pergunta é a que mais me fazem e a mais recorrente quando se fala neste tema. A resposta é muito simples: não. Não existem raças potencialmente perigosas.

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Esta pergunta é a que mais me fazem e a mais recorrente quando se fala neste tema. A resposta é muito simples: não. Não existem raças potencialmente perigosas.

Poder da mandíbula

Muitos apoiam-se no argumento de que o cão tem muito “poder na mandíbula”. Pensemos sobre isto. O Dr. Ian Dunbar fala-nos da “inibição de mordida”, ou seja, a aptidão que um cão tem em inibir a sua mordida e dessa forma controlar a força com que morde, capacidade essa que adquire desde que nasce e durante o período de sociabilização dos cachorros (2 a 4 meses). Não existe, por outro lado, nenhum meio cientificamente eficaz para medir essa tal “força de mandíbula” e a força usada por um animal nas diferentes circunstâncias é impossível de ser medida. Mesmo que medíssemos a força de mordida de um cão quando puxa uma corda, não poderíamos afirmar que essa mesma força seria aplicada quando morde uma pessoa ou noutra circunstância diferente. Qualquer cão que queira pode morder com muita força ou com pouca força.

É da raça

Ao determinarmos que existem raças potencialmente perigosas, estamos a dizer que os cães não têm personalidade. Estamos a afirmar que todos os cães de uma raça específica se comportam da mesma forma. Essa afirmação está completamente errada. Todos os cachorros são diferentes, inclusive quando nascem. As pessoas até gostam de os escolher e definir conforme as suas diferenças. Por exemplo, o mais “activo” ou o “mais tímido". Todos eles têm aquilo a que chamamos características individuais que os distinguem uns dos outros. Comportamentos não podem ser interpretados pensando na genética; e mesmo que esta fosse influenciável seria fácil e eficazmente ultrapassada pela individualidade do cão, o seu ambiente, treino, educação e experiências diárias.

Raças não agressivas 

Assim como não existem raças potencialmente perigosas porque não existem “genes agressivos”, também não existem raças que nunca mordem ou não exibem comportamentos agressivos. Todo e qualquer cão pode morder, rosnar ou demonstrar um comportamento agressivo. Aliás, uma breve incursão pela biologia e evolução do animal mostra-nos que comportamentos agressivos são naturais em todos os animais e necessários para a sobrevivência da espécie. Nenhuma raça é agressiva, assim como nenhuma raça está completamente livre de o ser.

Porque é que os cães são agressivos?

Existem pessoas que não entendem que se não existe um gene que “manda” o cão ser agressivo que possam existir outros motivos para isso acontecer. Porque é que um cão demonstra, então, comportamentos agressivos? Por outras palavras: porque é que aquele cão mordeu aquela criança? Não existe uma resposta linear e simples para esta questão. Ninguém pode dizer que o cão mordeu por um motivo porque existem muitas variáveis que influenciam o comportamento do cão naquele momento. Comecemos pela saúde do cão, algo que raramente ou nunca se fala. O cão pode estar doente, existe uma panóplia de doenças que influenciam o aparecimento de comportamentos agressivos em cães, como por exemplo epilepsia, dor crónica ou hipotiroidismo. O cão pode não ter tido nenhuma sociabilização — ou tê-la de forma errada. Durante os dois e os quatro meses, o cão deve ser sociabilizado, ou seja, ser exposto de forma gradual, controlada e positiva a todos os estímulos aos quais vai ser sujeito durante a idade adulta. Esta sociabilização deve ser feita com a ajuda de profissionais, por ser tão importante para uma vida adulta livre de problemas graves e para que o cão cresça saudável física e emocionalmente. O cão pode ser mal interpretado ou os seus sinais comunicacionais podem não ter sido entendidos. Não existem cães que mordem “do nada”. Todos avisam ou demonstram de alguma forma, através dos seus sinais comunicacionais, as suas intenções. O problema é que a maioria das pessoas não tem formação para interpretar correctamente esses sinais e acabam, sem querer, por interpretá-los de forma errada ou ignorá-los por não os detectarem. Isto pode ser uma causa para o desenvolvimento de um comportamento agressivo. Mitos sobre como treinar e educar cães são outros dos motivos que podem levar ao desenvolvimento de comportamentos agressivos. O uso de métodos punitivos e baseados em aversivos leva ao desenvolvimento de comportamentos agressivos. Coleiras de bicos, de choque, enforcadoras, gritar, bater no cão ou usar latas com pedras são métodos ultrapassados e perigosos.

Em suma, são variados os motivos que podem levar a que um cão demonstre comportamentos agressivos. E pior é que às vezes há vários factores presentes simultaneamente. O cão pode estar mal sociabilizado, ter sido sujeito a punições e estar doente. É preciso ter uma atitude profiláctica. Educar, informar e dar poder aos tutores através desta informação para que vivam com os seus cães de uma forma salutar e bem adaptada à sociedade. Acima de tudo, fazer aquilo que uma lei mal elaborada e ineficaz se propõe a fazer, que é proteger pessoas de acidentes com cães. Nós vamos mais longe: protegemos também os cães de serem vítimas da sociedade humana.