Tribunal de Contas detecta irregularidades nos ajustes directos da Águas de Portugal

Numa amostra de 81 contratos analisados, no valor de 9,7 milhões de euros, foram detectadas irregularidades na grande maioria dos ajustes directos.

Foto
O Tribunal de Contas é presidido por Vítor Caldeira Enric Vives-Rubio

A auditoria do Tribunal de Contas (TdC) a uma amostra de 81 processos de contratação pública celebrados por ajuste directo pelo grupo Águas de Portugal (AdP), entre 2012 e 2014, num total de 9,7 milhões de euros, encontrou irregularidades em 85% dos casos.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A auditoria do Tribunal de Contas (TdC) a uma amostra de 81 processos de contratação pública celebrados por ajuste directo pelo grupo Águas de Portugal (AdP), entre 2012 e 2014, num total de 9,7 milhões de euros, encontrou irregularidades em 85% dos casos.

De acordo com a informação divulgada esta quarta-feira, o Tribunal constatou que na maioria dos 81 processos de contratação analisados – que foram desenvolvidos por 23 empresas do grupo AdP – havia “irregularidades quanto à fundamentação das decisões de contratar e/ou de escolha do procedimento e/ou de adjudicação”.

A “preterição de formalidades legais”, a “ausência de despachos/deliberações” ou a sua existência com aprovação por órgãos sem competência para o fazer, a “ausência de requisitos legalmente exigidos para as peças processuais” ou “de documentos contendo as fundamentações legalmente exigidas”, foram algumas das irregularidades detectadas nos contratos que foram alvo desta auditoria, pedida ao TdC pelo Parlamento, em Abril de 2014.

Em alguns casos constatou-se a “falta de evidência da ausência de soluções internas para satisfazer a necessidade” que se pretendia contratar, ou seja, de que a realização de despesa pública não poderia ser evitada. A análise permitiu concluir que das empresas do grupo AdP, “a AdP SGPS e a AdP Serviços não aplicam plenamente e com o rigor devido as regras do Código dos Contratos Públicos (CCP), a que estão obrigadas” e, nessa medida, afastam “os mecanismos de controlo aplicáveis à utilização de dinheiros públicos”, refere o relatório.

Em particular, o Tribunal liderado por Vítor Caldeira destaca “a preterição do princípio da concorrência em grande número de processos, sem fundamento”. Além de “ilegal e contrário à jurisprudência” esta prática “não garante a obtenção do melhor negócio para os dinheiros públicos”, sublinha o TdC.

Assessoria informática nas mesmas mãos há 15 anos

Para ilustrar esta irregularidade, a entidade apresenta o “caso extremo da contratação reiterada, há mais de 15 anos, de uma mesma empresa para a prestação de assessoria informática”. Isto, na sequência de uma “contratação inicial que não acautelou o interesse do grupo AdP, favorecendo a contratação sistemática da mesma empresa em prejuízo claro daquele princípio e do interesse público”.

Por outro lado, o grupo também não adoptou “uma resposta corporativa, sustentada em procedimentos padronizados de controlo, para acautelar o adequado cumprimento das regras de contratação pública impostas pelo CCP”.

Nas recomendações expressas pelo Tribunal ao Governo, está a de que a actual revisão do CCP deve ser aproveitada para reafirmar “a exigência da fundamentação rigorosa da tomada da decisão de contratar no artigo 36º” deste código. Além disso, este deverá ter em “conta a jurisprudência do Tribunal sobre o recurso ao ajuste directo e sobre a salvaguarda do princípio da concorrência”.

Quanto aos conselhos de administração das empresas do grupo AdP, a recomendação é a de que, no recurso ao ajuste directo sejam aplicadas, “com todo o rigor devido, as normas do CCP tendo em atenção a jurisprudência” do TdC.

Além disso, as empresas procedem ao “planeamento das necessidades historicamente recorrentes” e realizar, sempre que seja exequível, “procedimentos de contratação pública concorrenciais (incluindo, se necessário, a celebração de acordos quadro periódicos)”.

Do universo global de 42 empresas que compõem o grupo AdP foram excluídas 19 desta análise do TdC. Entre elas, a EGF e as suas 11 participadas, porque estavam em processo de privatização (concluído em 2015), a Águas de Portugal Internacional e as suas 2 participadas “por haver contratos que não estavam sujeitos à legislação nacional” e as quatro empresas em que o grupo tinha uma posição minoritária.

O TdC explica ainda que os 81 contratos auditados representam apenas 13% do total do valor das adjudicações celebradas por ajuste directo (excluindo o ajuste directo simplificado) pela AdP entre 2012 e o primeiro semestre de 2014, que atingiram 76,4 milhões de euros.

Grupo justifica com necessidade de decisões urgentes

Entre as justificações para o ajuste directo sem concorrência enviadas ao TdC pelos responsáveis de gestão das empresas visadas, foram sublinhados argumentos como “a preocupação de acudir, rapidamente, à necessidade de manter a continuidade do fornecimento da água e de assegurar a sua qualidade”. Uma preocupação que o Tribunal entende que não pode sobrepor-se às “exigências formais e legais da contratação” e que pode ser colmatada “através de um planeamento que potencie a realização de procedimentos concorrenciais atempados”.

“Alguns dos responsáveis alegam que os processos de contratação são meros processos internos”, lê-se ainda no relatório. Por isso, no entender dos órgãos de gestão que responderam ao TdC em sede de contraditório, “basta conterem a fundamentação suficiente para colmatar o que não é do conhecimento geral dos decisores evitando, assim, a excessiva burocratização dos processos”. Mas o TdC é taxativo: “Não têm razão”. Os processos devem ser transparentes e claros e, “em cada fase dos mesmos, apresentar todos os fundamentos da decisão que dará lugar à contratação que irá satisfazer a necessidade identificada e à inerente despesa”.

Outras entidades “afirmam que o critério do valor, no âmbito da escolha do procedimento, é um critério supletivo, não obrigando a fundamentação com base no valor do compromisso nem no valor do contrato”. Mais uma vez, o TdC discorda: “a decisão [quanto ao procedimento] deve conter, expressamente, a fundamentação de facto e a fundamentação de direito”.