Aos 40 anos, a ASPA aprende a viver com um dos seus no poder

O vereador do Urbanismo de Braga, Miguel Bandeira, foi até há bem pouco tempo dirigente da associação de defesa de património, que está a celebrar uma história feita de “mais derrotas do que vitórias”.

Foto
O nascimento da ASPA está ligado à defesa das ruínas romanas PAULO PIMENTA

“Estávamos no contra-poder e de repente temos um dos nossos no poder”. A frase é de Armando Malheiro, presidente da ASPA, e sumariza o desafio que a associação de defesa do património de Braga enfrenta por estes dias. Na vereação do Urbanismo está, desde há três anos e meio, Miguel Bandeira que, até assumir o cargo, foi seu dirigente. O facto não atenuou, contudo, as críticas que são feitas ao executivo. A completar 40 anos, a associação tem um património de intervenção a defender.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

“Estávamos no contra-poder e de repente temos um dos nossos no poder”. A frase é de Armando Malheiro, presidente da ASPA, e sumariza o desafio que a associação de defesa do património de Braga enfrenta por estes dias. Na vereação do Urbanismo está, desde há três anos e meio, Miguel Bandeira que, até assumir o cargo, foi seu dirigente. O facto não atenuou, contudo, as críticas que são feitas ao executivo. A completar 40 anos, a associação tem um património de intervenção a defender.

Durante quase toda a sua vida, a ASPA habituou-se a ter um adversário claro: Mesquita Machado que foi presidente da Câmara de Braga desde 1975 até 2013. Foi sempre ele quem liderou os destinos do município desde o nascimento da associação e a principal figura de um modelo de crescimento da cidade contra a qual a associação chegou a ser a principal “força de bloqueio” para usar uma expressão do seu presidente, Armando Malheiro. “O nosso problema maior é não ter um inimigo claro”, reconhece o dirigente.

É que há três anos e meio, o panorama político na cidade mudou. Na equipa do presidente da câmara, Ricardo Rio — eleito por uma coligação PSD-CDS-PPM — está Miguel Bandeira, vereador independente que tem o pelouro do Urbanismo. Este geógrafo e professor na Universidade do Minho tem um passado ligado à ASPA, da qual é sócio há 25 anos. Foi presidente da associação entre o final dos anos 1990 e o início da década anterior e manteve-se um dirigente activo até à entrada no executivo.

“Mas a proximidade com Bandeira não nos tem inibido de ter posições críticas”, assegura Armando Malheiro. Os dirigentes da ASPA têm mantido posições críticas sobre a actuação da câmara em matérias que causaram polémica na cidade como a intenção da Diocese de Braga transformar o antigo cinema S. Geraldo num centro comercial e num hotel ou a autorização de construção de um supermercado na rua 25 de Abril, num quarteirão onde há edifícios de habitação e escolas, às portas do centro histórico.

“A actuação de Miguel Bandeira como autarca está longe de ser aquilo que imaginávamos”, avalia Teresa Barbosa, que também pertence à direcção da ASPA. “Preocupa-me aquilo que os meus amigos pensam de mim, mas se são meus amigos também têm a compreensão das minhas próprias dificuldades, das minhas próprias limitações”, responde Miguel Bandeira.

Na polémica do supermercado na rua 25 de Abril, o vereador já disse que não se identifica com a obra. Ao PÚBLICO justifica que estava limitado na sua capacidade de acção: “Podia haver outras soluções, numa perspectiva ideal. Mas do ponto de vista urbanístico não poderia fazer isso de outro modo. Não tive outras informações que pudessem coartar legitimamente os interesses dos promotores”.

Se os colegas da ASPA têm críticas sobre a actuação de Bandeira neste caso, elogiam uma das primeiras medidas que tomou no mandato, a suspensão do PDM na área das Sete Fontes, o sistema de abastecimento de água à cidade, do século XVIII, localizado numa área verde para a qual havia vários pedidos de construção. Essa era uma das lutas antigas da ASPA em que Miguel Bandeira esteve directamente envolvido. E era uma das promessas de campanha da coligação Juntos por Braga, que prometia a construção de um eco Parque.

“Fizemos apenas metade”, reconhece Miguel Bandeira. “A câmara tratou da salvaguarda mas ainda não teve condições para a criação do parque”. Ainda assim, o vereador valoriza a decisão tomada há três anos, garantindo que se o PDM não fosse suspendido nessa altura, seria “uma questão de semanas” até que a situação se tornasse “ainda mais complicada”. “Havia pedidos entrados para construir no lugar ao abrigo daquilo que o PDM anterior disponibilizava”, conta.

Vitória e derrotas

A ASPA está a assinalar, ao longo deste mês, o seu 40º aniversário. A sua fundação está intimamente ligada à defesa do património romano da Bracara Augusta na cidade. Esta história acontece no início dos anos 1980: As retroescavadoras avançavam, uma vez mais, sobre um terreno na colina da Cividade, em Braga. Um bracarense preocupado corre para o telefone mais próximo e liga para a ASPA. “Acontecia muitas vezes”, recorda Henrique Barreto Nunes, que foi um dos fundadores da associação de defesa do património. O telefone tocava e os membros da ASPA avançavam para o local, tentando travar o que podia ser mais uma destruição de património.

Foi neste contexto que nasceu a associação. A cidade vivia tempos de expansão urbana e a colina, onde já se sabia existirem ruínas romanas, era a área mais apetecível para os investidores. “Esse sector foi o centro da controvérsia entre aqueles que estão ligados aos interesses do crescimento imobiliário da cidade e os que reconhecem naquele lugar uma mais-valia para a afirmação de identidade da cidade”, avalia Miguel Bandeira.

Desde então, tem-se sucedido uma luta por uma ideia de cidade que tem sido “feita de vitórias e derrotas”, recorda Armando Malheiro. “Mas se calhar foram mais as derrotas do que as vitórias”, reconhece o presidente da ASPA.

Ao longo destes anos, a associação não conseguiu travar a construção de uma torre de habitação e escritórios em pleno centro histórico, junto ao jardim de Santa Bárbara, nem a reformulação do Campo da Vinha que permitiu construir vários edifícios no centro da praça. Em muitas ocasiões, também não chegou a tempo para impedir a destruição de ruínas de Bracara Augusta. A derrota mais amarga será talvez a da construção de uma zona comercial e de escritórios na zona dos Granjinhos, junto à Avenida da Liberdade. A ASPA interpôs um processo no Tribunal Administrativo contra o edifício e conseguiu uma vitória na justiça, seis anos depois. Mas quando a decisão chegou, já o edifício estava construído.

Em defesa do passado

A história da ASPA fez-se também de sucessos. O mais evidente está intimamente ligado ao momento do nascimento da associação. Foi por causa da sua actuação que a construção na colina da Cividade foi refreada, criando uma área de protecção arqueológica que permitiu, anos depois, descobrir ali as termas romanas (actualmente musealizadas e visitáveis) e o teatro romano (que está à espera de ser escavado e recuperado).

A ASPA esteve também na linha da frente da denúncia da destruição a que estava votado, no início dos anos 1980, o Mosteiro de Tibães, casa-mãe da congregação beneditina em Portugal, levando a que o Estado tenha comprado o edifício em 1986 e iniciado a sua recuperação. Uma outra vitória, “talvez mais marginal”, avalia o historiador de arte Eduardo Pires de Oliveira, também fundador da associação, foi a reformulação do museu D. Diogo de Sousa, que, em finais dos anos 1970, estava praticamente desactivado. “A partir do momento em que começámos a fazer escavações, começa a haver peças”, recorda. É esse o acervo que pode hoje ser visitado naquele museu, precisamente junto à colina da Cividade.

O grande contributo da ASPA para a cidade está, porém, ao nível da sua relação com o património, defende Pires de Oliveira: “Criámos consciência crítica e mostrámos às pessoas que é possível lutar pelo património”.