Ansiolíticos a mais? Médicos de família poderão ter restrições

Abuso de ansiolíticos, sedativos e hipnóticos é "problema de saúde pública", aponta o coordenador para a Saúde Mental. Álvaro Carvalho quer psicólogos nos cuidados de saúde primários. Nesta sexta-feira, o Dia Mundial da Saúde é dedicado à depressão, que afecta 300 milhões de pessoas em todo o mundo.

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Recurso à medicação para tratar depressão está a criar "problema de saúde pública" Nelson Garrido

É preciso restringir a prescrição de benzodiazepinas (ansiolíticos, sedativos e hipnóticos) por parte dos médicos de família. Numa altura em que Portugal se mantém como o país da Europa com maior consumo destes medicamentos, o director do programa Nacional para a Saúde Mental da Direcção-Geral de Saúde (DGS), Álvaro Carvalho, mostra-se preocupado com o consumo abusivo destas substâncias que, além de criarem dependência, podem levar a défices cognitivos, nomeadamente entre os idosos, sendo, além disso, responsáveis por muitos acidentes, como os de viação.

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É preciso restringir a prescrição de benzodiazepinas (ansiolíticos, sedativos e hipnóticos) por parte dos médicos de família. Numa altura em que Portugal se mantém como o país da Europa com maior consumo destes medicamentos, o director do programa Nacional para a Saúde Mental da Direcção-Geral de Saúde (DGS), Álvaro Carvalho, mostra-se preocupado com o consumo abusivo destas substâncias que, além de criarem dependência, podem levar a défices cognitivos, nomeadamente entre os idosos, sendo, além disso, responsáveis por muitos acidentes, como os de viação.

“É um problema de saúde pública. São drogas de abuso cujo consumo se reduziu em todos os países, à medida que os antidepressivos foram aumentando, e só cá é que não”, descreve aquele responsável.

E porque em Portugal “três quartos das benzodiazepinas são prescritos pelos cuidados de saúde primários”, o responsável da DGS defende, além da criação de restrições à prescrição destes psicofármacos por parte dos médicos de família, a integração de psicólogos com formação em psicoterapia nos centros de saúde.

Álvaro Carvalho integra um grupo de trabalho nomeado pelo Governo – coordenado pelo psiquiatra Daniel Sampaio – que em Maio vai apresentar ao Ministério da Saúde estas e outras propostas de intervenção na área dos cuidados de saúde mental.

Só com estas medidas, diz Álvaro Carvalho, será possível garantir que a abordagem clínica privilegie a psicoterapia mais do que a prescrição farmacológica, sendo que, aqui, “as recomendações mesmo para as perturbações de ansiedade devem ser em primeira linha os antidepressivos, que não apresentam os mesmos riscos de dependência e de ideação suicida".

"Pessoas sobredrogadas"

“As guidelines recomendam que a primeira abordagem para as perturbações mentais comuns deve ser a psicoterapia e isso aponta para a importância de haver psicólogos com formação em psicoterapia nos cuidados de saúde primários, em articulação com as equipas comunitárias de saúde mental”, insiste Álvaro Carvalho. O psiquiatra lembra que “só 37,4 em cada cem pessoas com perturbações mentais recorrem aos cuidados médicos durante o primeiro ano de aparecimento dos sintomas”. E que o médico de família é o profissional a que recorrem em primeiro lugar 31,7% das pessoas.

“O problema é que a pressão sobre os cuidados primários para despachar doentes não deixa aos médicos tempo suficiente para conversar com a pessoa durante dez ou quinze minutos para perceber a origem da insónia ou da ansiedade.” A solução, nestes casos, é recorrer à via medicamentosa. E a consequência? “Uma sangria de dinheiro em relação a qualquer um dos grupos, mas sobretudo nas benzodiazepinas, e a existência, por exemplo nos lares de idosos, de pessoas sobredrogadas e que depois caem e fazem fracturas.”

Os ansiolíticos, sedativos e hipnóticos (que constituem o grupo das benzodiazepinas, na designação científica) são comparticipados em 37% pelo Estado, segundo a Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde. Em 2016, venderam-se 10,6 milhões de embalagens, numa ligeira descida em relação aos três anos anteriores, mas ainda acima das 10,4 milhões de embalagens vendidas em 2012.

Calcula-se que, se o Estado deixasse de comparticipar a compra destes medicamentos, como sugeria em 2015 a organização não-governamental Aliança Europeia Contra a Depressão, a poupança anual rondaria os 20 milhões de euros. Então, a sugestão apontava para que a comparticipação se mantivesse apenas nos casos em que fosse feita por psiquiatras. 

Primeiros 31 psicólogos já foram contratados 

Na quinta-feira, antecipando o Dia Mundial da Saúde que se assinala nesta sexta-feira e que este ano é dedicado à depressão, sob o mote “Vamos Falar”, o ministro da Saúde, Adalberto Campos, anunciou a contratação de 31 psicólogos para o Serviço Nacional de Saúde, ao qual se poderão somar mais 55 até ao final de 2017. O ministro falava numa conferência, no Parlamento, em que o bastonário da Ordem dos Psicólogos, Francisco Rodrigues, calculou serem necessários cerca de 500 psicólogos para dar resposta e encaminhamento aos casos que chegam aos serviços.

“É preciso alterar este paradigma assente quase exclusivamente numa resposta baseada em psicofármacos”, sublinhou, para acrescentar que, a contratação destes primeiros psicólogos será um “primeiro passo para que haja pelo menos um psicólogo em cada centro de saúde”. E isto, “mais do que uma despesa, representa uma poupança noutras rubricas do Orçamento, nomeadamente nas despesas com medicamentos”.

“O excessivo consumo de psicofármacos é, além de um problema de saúde pública, um problema de despesa pública”, concorda o psicólogo Daniel Sousa, do Instituto Superior de Psicologia Aplicada, para quem o recurso à via medicamentosa, nomeadamente por parte dos médicos de família, faz com que os tratamentos tendam a estender-se no tempo com consequências na disponibilidade das pessoas para o trabalho. “As companhias de seguros não dão apoio às intervenções psicológicas como noutros países, mas deviam”, aponta. Para Álvaro Carvalho, porém, e mesmo considerando que dois milhões de portugueses dispõem de seguros de saúde, este problema “é uma gota no oceano”.

A nível mundial, a Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta a depressão como o maior contribuinte da incapacidade para o trabalho, tendo representado, em 2015, 7,5% de todos os anos vividos com incapacidade.

Já as perturbações de ansiedade são responsáveis por 3,4% dos anos vividos com incapacidade. Aquele organismo estima que mais de 300 milhões de pessoas sofram de depressão – o equivalente a 4,4% da população mundial – e outras tantas de algum tipo de perturbação de ansiedade. É o bastante para que a depressão seja o principal factor por detrás dos quase 800 mil suicídios registados em cada ano, segundo a OMS. Este número representa 1,5% de todas as mortes em todo o mundo, sendo que, entre os 15 e os 29 anos de idade, o suicídio surge como a segunda principal causa de morte.

A depressão está a aumentar “particularmente em países de baixo rendimento”, o que não constitui surpresa, já que o risco de alguém se tornar deprimido aumenta com a pobreza, desemprego, doenças físicas e problemas causados pelo uso de álcool e drogas. O envelhecimento das sociedades, por outro lado, ajuda a compreender o aumento em 18,4 pontos percentuais das pessoas com depressão, dado que esta tende a afectar mais as pessoas em idade mais avançada. Independentemente do contexto, a depressão afecta mais mulheres do que homens.