Cerca de um quarto das vítimas de tráfico no país são portuguesas

Estudo mostra que entre 2008 e 2014 houve 269 portugueses sinalizados como vítimas de tráfico, dentro e fora de fronteiras. E traça particularidades da situação portuguesa: maioria dos traficados são homens.

Foto
O tráfico para exploração laboral em Portugal afecta sobretudo os homens, revela a análise NELSON GARRIDO

Portugal não é apenas um país de destino e de trânsito, é também país de origem de pessoas que são vítimas de tráfico, conclui um estudo da italiana Mara Clemente, investigadora no ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, que vai ser apresentado numa conferência naquela universidade, na terça-feira, sobre prostituição e tráfico para exploração sexual.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Portugal não é apenas um país de destino e de trânsito, é também país de origem de pessoas que são vítimas de tráfico, conclui um estudo da italiana Mara Clemente, investigadora no ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, que vai ser apresentado numa conferência naquela universidade, na terça-feira, sobre prostituição e tráfico para exploração sexual.

Dos dados recolhidos pela socióloga conclui-se que, das 1100 pessoas sinalizadas no país como tendo sido vítimas de tráfico entre 2008 e 2014, cerca de um quarto eram portuguesas. Isso representa um total de 269 portugueses, explorados tanto em Portugal (109 pessoas) como no estrangeiro (160 pessoas) – neste último caso o principal destino foi Espanha. “Por isso, deveria haver mais atenção a este aspecto”, diz a socióloga ao PÚBLICO, e “uma maior reflexão” sobre o facto de Portugal ser um país de origem de tráfico.

O Grupo de Peritos em Acção Contra o Tráfico de Seres Humanos (GRETA), organização do Conselho da Europa que controla a forma como é implementada a convenção contra este tipo de crime, divide os países envolvidos no tráfico de seres humanos entre destino, origem e trânsito, e Portugal é considerado como país misto, tal como Bélgica, Holanda, e Reino Unido.

Países da Europa de Leste, como Roménia, Bulgária e Albânia, são sobretudo de origem. Já a Dinamarca, Noruega e Suécia não têm entre as suas vítimas nenhum nacional, explicou ao PÚBLICO a secretária executiva do GRETA, Petya Nestorova, que diz ser difícil comparar as percentagens de vítimas nacionais entre os países pois o número é altamente variável consoante os anos. Como exemplo, não comparativo com os portugueses, porque os dados são de anos diferentes, a secretária referiu a Grã-Bretanha que, entre 2011 e 2014, teve 4,5% de vítimas de tráfico de seres humanos nacionais, ou a Bélgica, que teve 5%.      

Voltando ao estudo, que ainda está em curso, da investigadora Mara Clemente, Portugal também se distingue da tendência europeia que assinala a exploração sexual como o grande móbil para o tráfico. Por cá, as vítimas são traficadas para exploração laboral (43%) — e dessas, a grande parte são homens. Só depois se segue a exploração sexual (39%), conclui a análise.

Já os dados globais do Eurostat mostram que na Europa a maioria das “vítimas identificadas e presumidas” são do sexo feminino (80%). A socióloga, especialista em prostituição, diz que é necessário, neste campo, trazer para o debate os interlocutores ligados à prostituição e à indústria do sexo e admite que haja uma sub-representação das denúncias.

Muitas voltam a ser vítimas de novo

Segundo Mara Clemente, além de ser necessário garantir “que as pessoas traficadas têm acesso aos direitos previstos”, é preciso garantir também que as condições para as quais voltam, depois de “resgatadas”, não sejam igualmente as de vulnerabilidade a que estavam antes expostas, pois é reportado que muitas voltam a ser vítimas.

O tráfico de seres humanos para diversos fins, como a exploração laboral, foi constituído como crime específico na lei portuguesa apenas em 2007 (até lá era apenas para exploração sexual). 

Nos dados que a investigadora recolheu no Observatório do Tráfico de Seres Humanos (OTSH), os 1110 indivíduos sinalizados incluem diferentes situações: casos em que as autoridades suspeitam que há indícios dessas pessoas terem sido traficadas (num total de 368); vítimas “confirmadas” pela polícia (282) e vítimas “não confirmadas”, ou seja, casos em que não se chegou a provar ter havido tráfico (460). O facto de não serem confirmadas pode significar que elas partiram para os seus países, que desistiram de queixas ou que voltaram às redes.

De acordo com outro estudo, Tráfico de pessoas e tramitação criminal, coordenado por Marlene Matos e Ângela Maia, publicado pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, as condenações por tráfico são reduzidas. Entre 2007 e 2010, 16% dos 132 países analisados pelo Global Report on Trafficking in Persons não reportaram qualquer condenação.

A maior parte dos indivíduos condenados por tráfico de pessoas são cidadãos do país em que foram condenados (64%) e 22% estrangeiros.