E poder perdoar...

A brincar a brincar já não nos vemos há mais de um ano. Porque é preciso tempo. Para que possamos olhar para trás com estes olhos de quem já viu tanto, de quem já viu demais, para poder perdoar. Isto de amigos se chatearem é uma grande chatice

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Matthew Wiebe/Unsplash

E poder perdoar... “Do you want the truth?“, dizia o Jack Nicholson, para logo em seguida acrescentar, “You can’t handle the truth!“ Pois não Jack, eu não consigo lidar com a verdade, e tu é que tinhas razão do alto da frieza militar de quem já matou e já bateu, de quem amou e de quem no fim perdeu a ainda réstia de humanidade que sobra depois de muitas guerras.

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E poder perdoar... “Do you want the truth?“, dizia o Jack Nicholson, para logo em seguida acrescentar, “You can’t handle the truth!“ Pois não Jack, eu não consigo lidar com a verdade, e tu é que tinhas razão do alto da frieza militar de quem já matou e já bateu, de quem amou e de quem no fim perdeu a ainda réstia de humanidade que sobra depois de muitas guerras.

Por isso esta sensação de nem te poder ver, de saber tão bem como da próxima vez não me vou conter, porque não te consigo falar nem olhar para a tua cara, porque não serei capaz de mentir nem de esconder tudo quanto me revolta e tudo quanto grita de dentro de mim para ti, como um jacto, um soco seguido de outro soco e depois um pontapé e tantos outros, assim derramando no chão, entre sangue e partes de dentes, todos os anos de amizade, cumplicidade e promessas perdidas. Talvez por uma questão de honestidade, talvez porque ainda goste de ti e te tenha consideração suficiente para dizer estas verdades cara a cara.

E sim, já me disseram, isto de amigos se chatearem uns com os outros é um bocadinho “gay“, mas que querem que vos diga se um dia fomos como irmãos, e talvez seja isso, irmãos, não por força da genética mas por força das circunstâncias, irmãos agora de costas voltadas até mais ver? Por isso é que isto de amigos se chatearem é uma grande chatice! E não fosse pelas mulheres, estas mesmas mulheres que nos amam tanto ao ponto de saberem, melhor do que nós mesmos, como o mais importante é ter todos os problemas atrás das costas, e talvez já tivéssemos chegado a vias de facto. Mas ainda não chegámos. Na verdade, ainda nem sequer falámos.

Melhor ainda, a brincar a brincar já não nos vemos há mais de um ano. Porque é preciso tempo. Porque é preciso tempo para que o tempo deixe de fazer sentido, para que possamos olhar para trás com estes olhos de quem já viu tanto, de quem já viu demais, para poder pensar, para poder reflectir, para poder esquecer, para poder perdoar. Porque é preciso tempo para lamber as feridas, para sarar as incontáveis chagas abertas pela verdades que a vida traz, as mesmas verdades com as quais um dia não soubemos lidar, quando éramos tão novos e ainda acreditávamos que isto da amizade era para sempre.

E pode ser que sim, que a amizade seja para sempre, por isso estes soluços, por isso estes desarranjos, desencontros de um coração que nunca deixou de bater por ti, o meu amigo da escola secundária. Por isso, olha, tenho aqui super bock, acabei de comprar uma grade. Tens aí “Queen“ ou “Dire Straits“ para pôr a tocar no telemóvel? Já ninguém os ouvia e nós ainda uns putos armados em cromos, mas era mesmo assim, e muito provavelmente nunca deixou de ser. ’Bora para a varanda, é o pôr do sol, e este vai ser brutal, tens aí o saca caricas, à tua, não, à nossa, “baza“ aí tirar uma “selfie“, esta é para vocês, põe aí no “Face“, a malta nem vai acreditar depois destes anos todos...