Reabilitação e vulnerabilidade sísmica em Portugal

A demolição parcial de alvenarias das fachadas dos edifícios e das paredes interiores para instalação de cablagens e tubagens deveria constituir uma prática interdita.

Depois de uma catástrofe sísmica como a que ocorreu em Amatrice, Itália, discute-se no espaço público a necessidade de legislação e de práticas administrativas capazes de reduzir a vulnerabilidade sísmica do edificado urbano e do património artístico e arquitectónico.

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Depois de uma catástrofe sísmica como a que ocorreu em Amatrice, Itália, discute-se no espaço público a necessidade de legislação e de práticas administrativas capazes de reduzir a vulnerabilidade sísmica do edificado urbano e do património artístico e arquitectónico.

Um plano estratégico nacional de segurança aos sismos deveria obrigatoriamente contemplar o controlo de uma tipologia de intervenções nos edifícios com fachadas em alvenarias resistentes, espalhados por todo o território nacional e particularmente presentes nos nossos centros históricos. Refiro-me expressamente, e com enorme preocupação, a intervenções como a abertura de roços e de nichos para contadores destinados à passagem dos cabos das empresas de telecomunicações e electricidade e das tubagens das concessionárias de água e de gás.

Quem caminhe pelas ruas de muitas das cidades portuguesas pode assistir todos os dias à demolição parcial das bases das fachadas de alvenaria de tantos edifícios, a escopro e martelo ou com o auxílio de martelos mecânicos. O comportamento mecânico das alvenarias de pedra, de tijolo ou mistas depende da transferência gradual das cargas superiores até às fundações, pela compressão das secções resistentes. Numa parede de fachada em alvenaria, as zonas maciças entre os vãos de portas e de janelas (nembos) são as responsáveis por essa transferência de cargas. As tensões mecânicas nesses nembos dependem pois das cargas a transmitir e das dimensões das secções dos mesmos. Reduzindo as secções com a abertura de nichos e de roços, aumenta-se e concentra-se consideravelmente o valor dessas tensões permanentes, reduzindo a sua capacidade resistente a cargas adicionais e acidentais. Numa situação sísmica, equivalente à actuação horizontal e vertical de forças acidentais sobre estas estruturas, os nembos debilitados terão pois uma capacidade resistente muito inferior à original.

Por isso, a demolição parcial de alvenarias das fachadas dos edifícios e das paredes interiores para instalação de cablagens e tubagens deveria constituir uma prática interdita nas acções de renovação e reabilitação urbana. Contudo, e quando consideradas inevitáveis e insubstituíveis, essas acções deveriam ser acompanhadas de um projecto de reforço estrutural.

Assim, são necessários planos municipais integrados e calendarizados para a efectiva criação de redes subterrâneas de distribuição de cablagens que hoje são suspensas das fachadas e das tubagens, como contrapartida das servidões municipais. Ao mesmo tempo, importa estabelecer e colocar em prática uma legislação nacional que defina critérios de mínima intrusividade para essas instalações em edifícios em alvenarias. De facto, sem a implantação destas medidas urgentes que deverão fazer parte de um plano estratégico nacional e de planos municipais integrados, a vulnerabilidade sísmica dos nossos centros urbanos crescerá todos os dias um pouco mais.

Engenheiro, CIAUD – Faculdade de Arquitectura, Universidade de Lisboa