Mariscadores deixam milhares de embalagens de sal vazias no estuário do Sado

A apanha do lingueirão por mariscadores contribui, em grande parte, para a acumulação no ecossistema marinho de uma carga poluente que afecta o habitat do golfinho roaz.

Foto
O estuário do Sado está integrado na Rede Natura e é habitat de espécies importantes Pedro Cunha/Arquivo

A cooperativa de educação ambiental Ocean Alive está preocupada com o plástico abandonado pelos mariscadores no estuário do Sado. Em seis acções de sensibilização e recolha de lixo já realizadas, esta organização diz ter recolhido quase 10.600 embalagens de sal vazias que, abandonadas no local, acabam por colocar em risco o habitat de várias espécies, entre elas o golfinho roaz. 

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A cooperativa de educação ambiental Ocean Alive está preocupada com o plástico abandonado pelos mariscadores no estuário do Sado. Em seis acções de sensibilização e recolha de lixo já realizadas, esta organização diz ter recolhido quase 10.600 embalagens de sal vazias que, abandonadas no local, acabam por colocar em risco o habitat de várias espécies, entre elas o golfinho roaz. 

Criada para “proteger as pradarias marinhas do estuário do Sado”, a Ocean Alive realizou no sábado a sexta acção da Campanha “Mariscar SEM Lixo” para “acabar com o mau hábito” dos mariscadores que insistem em deixar as embalagens de sal na zona entre marés, explicou a bióloga Raquel Gaspar. só nesta última acção, os voluntários recolheram 2.580 embalagens de sal, 560 kg de lixo e abordaram 70 mariscadores. Estiveram presentes três dezenas de voluntários que, para além da recolha das embalagens, procuraram sensibilizar os mariscadores e fazer limpeza e a apanha selectiva do lixo marinho nas margens da caldeira de Tróia.

Este local é uma laguna onde se mistura a água doce do rio com a água salgada do mar e são gerados imensos nutrientes para toda a cadeia alimentar do ecossistema envolvente. Rodeada por dunas, a caldeira de Troia é considerada uma maternidade de vida marinha que oferece abrigo e alimentação a muitas aves e faz parte da rede de sítios prioritários para a conservação da natureza na Europa, e integra o sítio Estuário do Sado da Rede Natura 2000. 

No entanto, é também o território do estuário onde há mais acumulação de embalagens de sal, não só por ser um sítio muito procurado por mariscadores, mas também devido ao facto de a circulação da água aprisionar as embalagens e outros pooluentes na vegetação do sapal. “Só na caldeira de Tróia foram recolhidas 5.780 embalagens, e no conjunto das várias praias da margem norte do estuário do Sado foram contabilizadas 4815 embalagens recolhidas” salientou a organização.

Com o apoio de 242 voluntários, no balanço do conjunto das intervenções já efectuadas, a Ocean Alive abordou 413 mariscadores, alertando-os para o impacto do plástico na biodiversidade marinha.  Ao todo, foram recolhidas 10.595 embalagens de plástico vazias de sal fino e 4.030 quilos de lixo das margens do estuário do Sado. A coordenadora da Ocean Alive calcula que cada mariscador utilize, em média, uma dezena de embalagens por dia na apanha do lingueirão, conhecido também por navalha. Multiplicando este número por centenas de pessoas que estão envolvidas neste tipo de actividade, ao longo do ano, fica exposta a elevada carga poluente que é depositada no ecossistema marinho.

As artes de pesca que os mariscadores utilizam resumem-se a um balde de plástico que transporta embalagens com sal fino. E à medida que percorrem o estuário no período da baixa-mar, vão localizando sinais da presença do bivalve enterrado na areia através de um pequeno buraco em forma de oito, e é dentro dele que injectam o sal. Decorridos alguns segundos, o lingueirão sai parcialmente da sua “toca” por ser muito sensível à salinidade, e é apanhado.

À medida que as embalagens de sal são despejadas, vão sendo deixadas no local da apanha. É aqui que intervêm os voluntários da associação Ocean Alive. Fazer a recolha das embalagens significa para Raquel Gaspar “ajudar a salvar o habitat dos golfinhos do Sado”, mas o problema é que, fora destas campanhas, a insensibilidade continua a fazer das suas e o lixo acumula-se. A organização vai contabilizando, anda assim, outras vitórias. Um hiper da zona, procurado por mariscadores, colocou uma mensagem de alerta para o impacto da poluição nas prateleiras de sal fino, e o município de Setubal colocou o contentor numa das áreas mais frequentadas, numa tentativa de evitar o abandono do lixo. “A alteração deste comportamento é o objectivo das nossas campanhas”, refere Raquel Gaspar  

A campanha "Mariscar SEM Lixo" tem como parceiro a Unesco e está enquadrada no Ano Internacional do Entendimento Global que se propõe resolver um problema local que reflecte, afinal, um problema global: o plástico nos oceanos. Nesta acção, a Ocean Alive conta com as mulheres pescadoras do estuário do Sado na protecção das pradarias marinhas através do programa, “Guardiãs do mar: Salvar o Ambiente, Preservar Empregos” que venceu no passado mês de Junho o Prémio FAZ – Ideias de Origem Portuguesa, da Fundação Calouste Gulbenkian.