Cartas à Directora

A roleta russa tinha balas

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A roleta russa tinha balas

A UE tem problemas, em grande parte devidos à fraca qualidade geral dos políticos atuais. É razão para ser destruída? David Cameron resolveu dramatizar e jogou à roleta russa, esquecendo-se de que podia sair bala. Muitos eleitores votaram por protesto sem mediram o real resultado e a irreversibilidade do seu voto. Pagou-se também a fatura de anos de desresponsabilização ligeira, não exclusiva do UK, de políticos, mesmo pró-europeístas, do “não podemos fazer mais por causa das regras de Bruxelas.”. Temos ainda os populistas de esquerda e de direita para quem o caminho do poder passa pelas alternativas destrutivas.

Curiosamente, nos países ricos um argumento principal do contra é deixar de financiar os preguiçosos do sul enquanto os países pobres pedem “de Bruxelas que venham verbas e esqueçam lá as regras”. Está-se mesmo a ver uma roleta russa com muitas balas.

Eu ainda posso entender ser fácil os do norte comprarem a argumentação “vamos deixar para trás este lastro e andaremos mais depressa …”. Agora nós, do sul, queremos voltar ao “orgulhosamente sós”, por favor. Já vivemos esse filme e não foi bonito.

A Europa é um projeto fantástico. Provavelmente sem uma bárbara guerra anterior, nunca teria nascido. É triste e desrespeitoso vê-lo ameaçado por calculismo, demagogia e falta de visão.

Carlos J F Sampaio, Esposende

 

De Vichy e os referendos

A 24 de Maio de 1940, no início da segunda guerra mundial, a França sofre uma devastadora derrota no norte do país. A 15 de Junho, o governo francês, liderado pelo Marechal Pétain, herói da primeira guerra mundial e distinguido comandante em Verdun, ordena às forças armadas, contra a sua vontade e o choque de uma nação até aí orgulhosa, que se rendam. Em troca, negoceia a mudança do governo para a cidade de Vichy. Desde então muitos franceses recusam-se a repetir o nome do marechal, designando-o como “le traître”. O ostracismo não podia ser mais completo, visto de certeza caberem num país daquele tamanho mais do que um. Mas não, o fulano ficou mesmo “o traidor”.

Muitos dos nossos articulistas, comentadores, políticos e até candidatos presidenciais em campanha notam que não ter havido uma consulta directa para a transferência de soberania foi um “erro”. É de facto da mais patente evidência que é um tema suprapartidário, que diz respeito, directamente e especificamente, a cada um dos 10 milhões de avos que cada um de nós recebeu à nascença. No meu caso, em Alvalade, Lisboa. Os anos vão passando, o mau hábito entranha-se, e as transferências de soberania continuam insufragadas, e insuportáveis. Para muitos de nós, e quantos não o saberemos até haver um referendo, o Portugal dos nossos egrégios avós vai ficando de Vichy.

Muitos leitores, a grande maioria talvez, e mais ainda os jovens que herdarão a quinta, se ainda uma houver, preferem passar ao lado destas mágoas, e seguir em frente. Pois deixem-me que vos ilumine um pouco, e que vos faça saber, que alguns com quem se cruzam todos os dias passam calados, não mais capazes de vos chamar pelo nome.

Jonas Almeida, PhD, Nova Iorque