Governo abre concurso de 20 milhões para descarbonizar cidades

O secretário de Estado Adjunto e do Ambiente adiantou que foi criado um grupo de trabalho que apresentará dentro de dois meses uma solução para regulamentar as novas formas de transporte que concorrem com o sector dos táxis.

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Apesar das ameaças, os privados ainda não processaram o Estado por causa da anulação das subconcessões nos transportes Ricardo Castelo/NFactos

O secretário de Estado Adjunto e do Ambiente, José Mendes, acredita que é com novas políticas de desenvolvimento urbano e com a mobilidade sustentável que será possível atingir o compromisso de descarbonizar a economia. Os transportes assumem um papel fundamental, com a mobilidade eléctrica e ciclável a ganhar um novo impulso. Há também a pretensão de regulamentar as novas modalidades de transporte, como a Uber ou o Cabify, que já existem no mercado, bem como criar outras por decreto, como a do transporte flexível.

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O secretário de Estado Adjunto e do Ambiente, José Mendes, acredita que é com novas políticas de desenvolvimento urbano e com a mobilidade sustentável que será possível atingir o compromisso de descarbonizar a economia. Os transportes assumem um papel fundamental, com a mobilidade eléctrica e ciclável a ganhar um novo impulso. Há também a pretensão de regulamentar as novas modalidades de transporte, como a Uber ou o Cabify, que já existem no mercado, bem como criar outras por decreto, como a do transporte flexível.

O que é o transporte flexível que consta no programa do Governo?
É uma medida que já temos no circuito legislativo, e que vai ser aprovada provavelmente já no início de Junho. Trata-se do decreto-lei que institui uma modalidade de transporte dirigida para as regiões de baixa densidade. É o chamado transporte a pedido, que permite criar centrais de reserva, organizar a procura e depois desenhar a oferta em função disso, incluindo veículos de táxi e outros de transporte colectivo, e também a participação do terceiro sector, como as IPSS que normalmente têm veículos e que também podem apoiar. Os operadores clássicos de transporte que não foram capazes de gerar oferta para estas situações de baixa densidade, também podem ser integrados neste ecossistema.

Será uma plataforma electrónica?
Não será só electrónica. Muitos utilizadores de transporte flexível são pessoas de regiões de baixa densidade, e às vezes são pessoas info-excluídas. Temos de ter sistemas alternativos de reserva, como a via telefónica. Estamos a terminar o decreto-lei que regulamenta esta questão e que permitirá que as novas autoridades de transporte, as CIM, possam lançar concursos para sistemas de transporte flexível e transporte a pedido.

Quais são os objectivos do Governo em termos de expansão de rede de mobilidade eléctrica?
Vamos completar a rede piloto, que estava parada, recuperando os carregadores que existiam e estavam muito degradados. Vamos instalar até ao final do ano 124 novos postos de carregamento normal, mais 50 de carregamento rápido, um investimento de 1,9 milhões de euros. E temos o compromisso de, até ao final da legislatura, levarmos a rede pública de carregamento de veículos eléctricos a todos os municípios do país. 

Com que dinheiro?
Temos duas fontes de financiamento: os incentivos comunitários, no POSEUR, mas também temos a possibilidade de utilizar o Fundo Português de Carbono. São 4,2 milhões de euros [para completar a rede pública]. Nas próximas semanas sairão quatro portarias que completam o regime jurídico da mobilidade eléctrica. Vamos passar a ter condições para abrir o mercado de carregamento de veículos eléctricos à concorrência. O que significa que as entidades interessadas vão poder certificar-se para serem operadores de pontos de carregamento, e fornecedores de energia para veículos eléctricos.

O sistema já tinha sido montado assim de raiz.
Sim. Criámos uma rede de informação que é agnóstica, que consegue trabalhar com diferentes operadores de pontos de carregamento, diferentes comercializadores na mesma rede. É como se fosse uma rede Sibs, vai ao Multibanco com o cartão de qualquer instituição bancária.

As chamadas novas modalidades de transporte, como o car pooling ou o car sharing, e plataformas como a Uber, o Cabify, o Bla Bla car, vão todas ser regulamentadas?
O que acontece é que alguns desses operadores, ou dessas formas de operação de sistemas de transporte, procuram encaixar-se em regulamentos existentes que não foram desenhados para esse efeito. Nomeadamente utilizando a figura do transporte turístico ou a figura dos rent-a-cars, o transporte frequente e em volume, como é o caso do transporte de táxi, mexendo com um sector altamente regulamentado e regulado, que naturalmente tem o seu papel e os seus interesses. Em relação a essa temática já houve uma declaração de não conformidade com os regulamentos. Mas é preciso ir mais longe, é preciso ver como é que lhes damos acesso ao mercado. Porque, apesar do que muitos dizem, são plataformas que têm procura, têm clientes. Mau seria se o Governo não olhasse para estes fenómenos e não os procurasse enquadrar.

O que vai ser feito?
Foi criado há uma semana um grupo de trabalho para ver a questão do transporte de passageiros em veículos ligeiros. Este grupo, que já teve a primeira reunião, inclui desde logo os operadores existentes, representados pela Antral e pela Federação Portuguesa de Táxi, a perspectiva do consumidor, através da Associação de Defesa do Consumidor (DECO), representantes das câmaras municipais de Lisboa e Porto, representantes do ministério do Ambiente, das secretarias de Estado do Comércio e do Turismo, representantes da ANA e das autoridades portuárias de Lisboa e Porto, por serem infra-estruturas com praças de táxi de uma dimensão com escala, e com o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) a coordenar.

Qual é o caderno de encargos desse grupo de trabalho?
Têm 60 dias para fazer recomendações ao Governo. Até lá vão seguramente revisitar os requisitos de acesso à actividade de transporte de passageiros, o acesso ao mercado e a regulamentação das plataformas que aproximam a procura da oferta. É preciso dizer que reconhecemos, e achamos que é necessário preservar, o espaço de actuação do sector dos táxis, enquanto veículos caracterizados, com direito à praça de táxi e sendo também a única forma de transporte que permite o waving – que é mandar parar o táxi na rua. Isso tem um papel no ecossistema de mobilidade e os taxistas têm todo o nosso apoio. Mas há o princípio dos requisitos de acesso à actividade, como as licenças, a qualificação dos condutores, os seguros dos veículos, que devem ser similares ou equivalentes nos táxis e nas outras formas de transportes. 

Defende a regulamentação apertada?
O contexto fortemente regulado e contingentado em que funcionam os táxis não beneficiou nem a qualidade nem a imagem do sector. O que constatamos é que, paulatinamente, as diferentes cidades e os diferentes países têm encontrado novos enquadramentos regulamentares que têm permitido que as novas realidades passem a coexistir com o sistema dos táxis. Este grupo de trabalho há-de trazer resultados.

E o compromisso de descarbonizar a economia portuguesa, segundo as directrizes europeias? Como é que ele se reflecte nos transportes?
Mobilidade eléctrica é vantajosa ao nível da descarbonização se estiver a ser utilizada electricidade verde. A taxa de penetração das energias renováveis – a electricidade verde – em Portugal é elevadíssima. De Janeiro a Abril, 90% da electricidade produzida foi electricidade verde.

No Plano Nacional de Reformas surge o compromisso de ter 6000 bicicletas nas cidades. Como vão fazê-lo?
Temos uma taxa de penetração muito baixa de mobilidade ciclável, menos de 1%. A excepção é uma espécie de microclima, na zona de Aveiro e Murtosa, onde a quota modal chega aos 2,8%. Mas a média europeia é de 7%, e está a crescer. Temos muito caminho a fazer. Já existe um programa no plano estratégico, o Ciclando, feito pelo IMT, mas que nunca chegou a ser aprovado. Nós queremos um plano nacional para a bicicleta aprovado, que reflicta toda essa componente estratégica. A componente operacional pode ser-lhe retirada, porque já está a ser cumprida pelos municípios.

Como assim?
No que respeita à infra-estrutura ciclável, tipicamente às ciclovias e aos bicicletários, os municípios estão a concluir os seus Planos Estratégicos de Desenvolvimento Urbano (PEDUS) e os seus Planos de Acção para a Mobilidade Urbana Sustentável (PAMUS). Não conseguimos quantificar ainda, mas no próximo mês fecha tudo. Falta assinar e depois começam a submeter projectos ao financiamento, quer pelos POSEUR e sobretudo pelos Programas Operacionais Regionais. Ao nível da infra-estrutura sabemos que Portugal vai dar um salto muito grande. Agora falta trabalhar ao nível da promoção de novos hábitos. Acho que se pode ganhar muito mais em taxa de penetração do modo ciclável através de mudanças comportamentais do que através de infra-estruturas.

E como pretende induzir essas mudanças comportamentais?
Nesse ponto de vista temos um projecto emblemático, o projecto Ubike, com a adesão de 17 instituições do ensino superior, universidades e politécnicos. É um projecto para aluguer de longa duração de bicicletas a estudantes e a professores, serão 3300 bicicletas, 60% das quais eléctricas. É este tipo de trabalho que temos de fazer, sempre nas escolas, nas gerações mais novas. E nas cidades. Descarbonizar a economia passa muito por descarbonizar as cidades. As cidades são responsáveis por 70% das emissões de gases com efeitos de estufa

Mas há algum projecto para promover a descarbonização das cidades, dos municípios?
Vamos lançar o programa Living labs para a descarbonização, que tem como objectivo promover a apropriação de tecnologias de baixo carbono e fomentá-las em comportamentos associados a dimensões da vida urbana. Estamos a ultimar uma verba que pode ir até aos 20 milhões de euros para financiar candidaturas apresentadas pelos municípios em associação com entidades do sistema científico e tecnológico. Será um concurso competitivo, só vamos financiar alguns candidatos. Algo que nos mostre que somos capazes de usar tecnologias de baixo carbono de forma intrínseca, por exemplo na vigilância electrónica, na produção de energia renovável em meio urbano, na redução de fluxos materiais. Não queremos uma amálgama de tecnologias, mas um conceito. São cidades hipo-carbónicas. Ainda não tomámos a decisão final, mas provavelmente este concurso vai ser dirigido a municípios de média dimensão. Se eu colocar três ou quatro milhões num living lab em Lisboa ou no Porto não haverá grande impacto. Em Guimarães ou em Évora terá. E eu tenho de maximizar os resultados. Estamos a trabalhar no conceito e até ao final do ano lançaremos o concurso.

Os privados ameaçaram processar o Estado por causa da anulação das subconcessões nos transportes. Já o fizeram?Ainda não há nenhuma acção intentada por parte das empresas. Evidentemente temos conversado relativamente àquilo que vai acontecer a seguir. Porque do nosso ponto de vista, e uma vez que havia ilegalidades no processo administrativo, e uma vez que os contratos nunca foram visados pelo Tribunal de Contas, não haverá lugar a indemnizações.

Um dos argumentos invocados pelo Governo é que o nível de serviço contratualizado estava no osso, e que os transportes públicos perderam cem milhões de passageiros nos últimos cinco anos. O que vão fazer para alterar isso?
O Estado ainda mantém, mas vai deixar de o fazer, a dupla função de accionista proprietário das empresas públicas ao mesmo tempo que é autoridade de transporte. Enquanto proprietário, começou por revogar esses contratos e agora está a desenvolver o processo de aproximar a gestão dessas empresas dos municípios. No caso da Carris, o cenário em que estamos a trabalhar passa por entregar a propriedade e a gestão à Câmara de Lisboa. É preciso perceber que o espaço de operação da Carris é quase só o município de Lisboa. No Porto, é diferente, a STCP opera em seis municípios, aos quais se fará uma concessão da gestão, sendo que 60% da operação é no Porto.

Acredita que a municipalização vai trazer mais clientes aos transportes públicos?
Tem um impacto imediato. Quem gere o espaço público, define se uma rua tem sentido único, uma faixa de Bus ou estacionamento, passa a gerir também o sistema de transportes. Essa aproximação faz todo o sentido, à imagem das principais cidades europeias. Um outro aspecto é o papel das autoridades de transporte, que estamos a descentralizar. Vão passar a ser os municípios, as comunidades intermunicipais e as áreas metropolitanas, o que significa que serão essas entidades quem vai definir as redes. A definição de uma rede passa sempre por um nível de qualidade de serviço e taxa de cobertura que se pretende face àquilo que são os recursos financeiros para manter ou garantir essa cobertura e nível de qualidade. E quer no caso do Porto e dos seis municípios, quer no caso do município de Lisboa, vão ter de fazer as suas opções. Porque será preciso encontrar um sistema que seja minimamente equilibrado do ponto de vista financeiro.

Acabaram as indemnizações compensatórias? Não haverá mais apoios do Estado?
Continuará a haver subsidiação tarifária, os passes Sub23, 6-18 ou o Passe Social +, que estendemos a todo o país. Quem vai gerir as empresas terá de encontrar o equilíbrio que permita custear a operação e a renovação da frota. E sempre que se trata de melhorar a eficiência energética do material circulante está a ser desenhado um aviso no âmbito do POSEUR, do Portugal2020, que permita comparticipar os veículos. Estamos a dirimir com a União Europeia a intensidade dos incentivos. Vamos apoiar todas as empresas de transporte e não apenas as que são propriedade do Estado. E vamos manter um conjunto de incentivos em sede fiscal para todos veículos menos poluentes e com menores emissões por quilómetro.

E sobre a expansão das redes de metro, já há decisões?
No caso de Lisboa muito provavelmente será a ligação do Rato ao Cais do Sodré. No caso do Porto ainda está tudo a ser estudado. Os próprios autarcas têm várias opiniões. O que sabemos é que temos 400 milhões para os próximos anos, e que será um total de nove quilómetros de mais rede.