Caso contrário
Cada vez que qualquer coisa corre mal, o português engenhoso remete a solução para um futuro próximo.
O bife que eu tinha pedido mal passado aparece-me tão bem passado que se diria ter sido atropelado por um rolo compressor numa estrada de asfalto em brasa.
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O bife que eu tinha pedido mal passado aparece-me tão bem passado que se diria ter sido atropelado por um rolo compressor numa estrada de asfalto em brasa.
Quando protesto, o compère informa-me que é tradição da casa (que existe há dois meses) passar bem os bifes, por causa das "reclamações sobretudo de estrangeiros".
Depois aproximou-se de mim, em pose de confidência, e segredou-me: "Quando fôr assim, peça para falar comigo primeiro..."
Quando lhe respondi que estava a falar com ele agora ele corrigiu-me: "Não, não, antes de pedir o bife..."
Não se ofereceu para trocar o bife. Mas como a carne era má também já tinha perdido toda a esperança e vontade de almoçar.
O que me ficou foi o "quando fôr assim". É uma manobra verbal de grande proveito e versatilidade. Cada vez que qualquer coisa corre mal, o português engenhoso, em vez de se prontificar a emendar o infortúnio (o que fá-lo-ia entrar em trabalhos e despesas), remete a solução para um futuro próximo.
Na versão extrema, que acaba por ser a subentendida, aquilo que quer dizer é "quando fôr assim, vá antes a outro restaurante". Um que me ature, por exemplo.
Numa farmácia recusam-se a trocar uma pomada por um creme. "Mas eu pedi em creme", lembro. O bom conselho não se faz esperar: "quando fôr assim, o melhor é verificar enquanto ainda está na farmácia. Caso contrário..."
Quando fôr assim é o "quando fores grande" dos já crescidos: uma perpétua frustração que tem remédio mas que não nos dão.