A culpa não é do Islão

Devemos focar a nossa atenção na situação de destruição económica e social em que se encontra o Médio Oriente

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Jalal Alhalabi/Reuters

É a religião do islão que promove a violência e a desigualdade? Em teoria, e se analisássemos à letra todos os textos religiosos, diríamos que algumas religiões como o islão, o judaísmo ou o cristianismo têm textos mais passíveis de interpretações extremistas do que outras religiões como o Budismo. Mas esses mesmos textos, que foram escritos por seres humanos diferentes, como forma de interpretação da sua própria fé e sistema de crenças do tempo em que viviam (e não por deuses a explicar como querem que os humanos se comportem), também está cheio de passagens de tolerância da diferença e contra a guerra em nome seja do que for. Portanto, não me parece que a religião, concretamente o Islão, tenha a maioria da culpa nesta situação particular do terrorismo do daesh. Até porque se assim fosse, países muçulmanos como a Indonésia ou a Turquia estariam a braços com enormes problemas com terrorismo e/ou desigualdade. O Islão é aqui apenas uma desculpa para os grupos terroristas cumprirem os seus desígnios.

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É a religião do islão que promove a violência e a desigualdade? Em teoria, e se analisássemos à letra todos os textos religiosos, diríamos que algumas religiões como o islão, o judaísmo ou o cristianismo têm textos mais passíveis de interpretações extremistas do que outras religiões como o Budismo. Mas esses mesmos textos, que foram escritos por seres humanos diferentes, como forma de interpretação da sua própria fé e sistema de crenças do tempo em que viviam (e não por deuses a explicar como querem que os humanos se comportem), também está cheio de passagens de tolerância da diferença e contra a guerra em nome seja do que for. Portanto, não me parece que a religião, concretamente o Islão, tenha a maioria da culpa nesta situação particular do terrorismo do daesh. Até porque se assim fosse, países muçulmanos como a Indonésia ou a Turquia estariam a braços com enormes problemas com terrorismo e/ou desigualdade. O Islão é aqui apenas uma desculpa para os grupos terroristas cumprirem os seus desígnios.

Devemos, isso sim, focar a nossa atenção na situação de destruição económica e social em que se encontra o Médio Oriente e que faz com que essa retórica de inspiração em interpretações literais islâmicas tenha cada vez mais apoiantes no terreno.

O daesh no terreno:

Será coincidência que o daesh se apodere do Al-Sham ou Levante (Síria, Iraque, Israel e Palestina)? Uma zona que a as forças europeias colonizaram e que quando perceberam que não tinham capacidade para conter, criaram o estado de Israel e fugiram? Sabemos hoje que o daesh tem dezenas de grupos terroristas que lhes juraram obediência (através da bay’at) Nem todos os muçulmanos são radicais mas todos os muçulmanos radicais são muçulmanos.

O daesh na Europa:

O daesh é inovador precisamente pela forma como se aproveita dos novos meios de comunicação. Há células terroristas que comunicam via dark web e não pelos canais convencionais de internet que costumamos usar. As tecnologias de informação cada vez mais complexas – exemplo: comunicações através do whatsapp e através da PlayStation 4 em que os terroristas fingem que estão a jogar videojogos de guerra e planeiam os atentados conversando com voz em grupos privados. Para além de ser, obviamente muito complicado controlar vários milhões de jogadores (a rede da playstation tem cerca de 65 milhões de jogadores a jogar e conversar diariamente), mas mesmo que a polícia conseguisse ouvir todos os jogadores, como conseguiriam separar as conversas bélicas de jogadores de Call of Duty das conversas bélicas de preparação dos atentados em Paris? E as causas para o recrutamento de jovens europeus são simples: há um conjunto de indivíduos, uma camada social identificada, que se encontra entre nós na Europa (muitos são europeus descendentes de árabes mas também há vários que são europeus descendentes de europeus) e que estão altamente vulneráveis a uma narrativa de retórica islâmica que lhes fornece um sentimento de pertença e um estatuto de herói. De repente, estes indivíduos, de pessoas sem futuro aparente, passam a ter a possibilidade de pertencer a uma força que se autoproclama de mudança mundial para atingir uma nova ordem global.

No ocidente tivemos essencialmente dois modelos de integração: um modelo francês em que o Estado neutro e laico tentou acabar com as diferenças culturais, aglutinando todos os cidadãos de forma na esperança que alguns anos volvidos essas diferenças se tivessem esbatido; e um modelo inglês de multicultura em que todos tinham liberdade para desenvolver facilmente o seu culto e a sua cultura, o que acabou por levar à criação de ilhas – pessoas que movimentam sempre no mesmo círculo de amigos e conhecidos com a mesma religião e valores culturais – o que, por sua vez, levou ao isolamento das comunidades em função da sua religião. Ambos os modelos acima expostos colapsaram e a segregação de comunidades islâmicas causada por esse falhanço dos modelos de integração agudiza o problema do terrorismo e facilita a tarefa àqueles que recrutam jovens para o terror. Não entrando num clássico complexo de culpa ocidental, falhámos no processo de integração e criámos, dentro do território da UE, as condições perfeitas para que os radicais jihadistas seduzam para o terror jovens maioritariamente desempregados e que não conseguem cumprir as expectativas que a sociedade tem sobre eles.

Urge criarmos uma nova forma de integração que possibilite a que os indivíduos de diferentes culturas e religiões possam manter as suas crenças, respeitando os direitos humanos, mas que ao mesmo tempo se cruzem socialmente e aumentem a sua rede de suporte entre os locais. Isso será integração.